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Artigo

Artistas, monumentos, sergipanidade e nossa gente

Publicado: 06 Dezembro, 2017 - 11h25

 

Após o espetáculo que foi a apresentação da banda The Baggios, no 34º FASC, Festival de Arte de São Cristóvão, dia 03/12/17, e ter ouvido Júlio Andrade, o líder da banda, expressar a sua emoção em estar ali diante daquela multidão, e o próprio prefeito da cidade, Marcos Santana se sentir realizado imerso naquele fato, dos elogios recebidos e de ter a certeza que o FASC resgata a importância da cidade, pode-se concluir que a arte salva e o artista não precisa fazer milagre, mas apenas ter seu trabalho reconhecido. O gestor que perceber isto, terá como recompensa a credibilidade dos artistas e do povo. Assim, haverá uma convergência artista/cidade/gestor que beneficiará a sociedade, em diversos aspectos, elevando a autoestima de todos. 



Fala-se hoje em sergipanidade, expressão usada para designar o conjunto de características do sergipano. Um museu foi concebido para valorizar a arte e a cultura popular tendo como premissa tal expressão. Obra louvável que contribui para elevar a tão baixa autoestima do sergipano mediano e principalmente de quem integra o movimento cultural como um todo. 



Ninguém precisa ser antipaticamente bairrista e muito menos xenófobo. O sergipano não tem a espontaneidade como possuem cearenses e baianos, por exemplo. Em terras de Serigy a amizade é feita paulatinamente. Começa na sala de visitas, e, somente ganhando a confiança, o amigo novo poderá ir à sala de jantar. Este jeito reservado do sergipano, porém, nunca foi obstáculo para receber muito bem turistas e gente que vem para ficar. Assim, recebemos na área das artes visuais artistas de origens diversas com os respectivos talentos, hoje reconhecidos. Outros por aqui passaram e fizeram sucesso. Atualmente temos Fábio Sampaio, Marcelo Uchoa, João Valdênio, Willy Valenzuela, Charles Henri, Ruy Andrade, entre tantos. O convívio harmonioso dos sergipanos com eles é exemplo sinalizador de certo tipo de desapego.


 
Surpreendentemente, o universo das artes visuais toma conhecimento, tardio, da construção de um conjunto de esculturas de porte monumental representando figuras do folclore sergipano, bem em frente ao Museu da Gente Sergipana denominado de “Largo da Gente Sergipana”. Ideia igualmente louvável, assim como foi o museu. Sabe-se também que, as esculturas monumentais a ser instaladas ali na margem do Rio Sergipe foi encomendada a um artista baiano que mora e trabalha na Bahia.


 
É sabido que na Lei 8666, que trata das licitações, oferece ao gestor público o conforto de, em se tratando de artista, não precisar fazer concorrência pública para a contratação. Muito bem. Torna-se de certa forma uma prerrogativa. O gestor pode argumentar também que procurou um artista com determinado estilo, notoriedade e capacidade de realizar a obra. Mas já é do conhecimento geral que notoriedade e publicidade quem gera é a visibilidade do trabalho na praça, em evidência nas galerias de arte e museus; e o envolvimento do artista no movimento cultural. Quanto à capacidade de realização dos artistas da nossa gente, não pode ser posta em dúvida se nunca foi submetida à prova e reprovada; ou se lhes foram apresentados os desafios e os artistas nunca fugiram. Porém, se a notoriedade obtida pelos artistas da nossa gente não sensibiliza o gestor público que precisa do trabalho deles, todo o esforço dos artistas parece em vão e a convergência artistas/cidade/gestor não se completa em benefício da sociedade.



Em tempos de democracia, ou do que ainda resta dela, diante da insegurança institucional, ora vivida pelos brasileiros, espera-se melhores relações do Estado com a sociedade. Transparência e oportunidade são fatores exigidos por esta mesma sociedade. Houvesse um edital deste porte do qual todos os artistas pudessem participar, seria uma oportunidade ímpar. Certamente, entre todos os participantes, um dos artistas apresentaria o estilo que mais conviesse ao projeto. Parece ter faltado ao pai da ideia, de quem financiou e administrou o projeto do monumento, crença na habilidade e capacidade técnica dos artistas sergipanos. Ao se exaltar e alardear a importância da sergipanidade, todos ficam empolgados com a expressão tão representativa, ao ponto de impregnar cada indivíduo de pertencimento, logo, de algo que possa ser chamado de identidade sócio/cultural. Vem o desgosto ao se constatar: a expressão pode servir para mascarar o velho discurso vazio de que “santo de casa não faz milagre”.


 

A banda The Baggios mostrou que, o milagre esperado, na verdade é a conquista, após a luta, pelo espaço almejado. Não tivesse lutado pela oportunidade de se apresentar no FASC em 2005, mesmo que fosse para um punhado de pessoas, nesta edição 34ª do FASC a banda não estaria na praça São Francisco, em São Cristóvão, diante daquela multidão vibrante e degustadora do seu sucesso. Os artistas das artes visuais estão lutando e este reclamo é parte da luta contra o tolhimento, para dizer aos gestores do Instituto Banese e do Museu da Gente Sergipana, responsáveis pelo projeto monumental em questão, que, a insensibilidade que os fazem deixar de fora os artistas sergipanos desta oportunidade, não soma e nem serve para exaltar a tão propalada sergipanidade da nossa gente.