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“A economia capitalista está em crise e as contradições tendem a se aguçar”

O professor da Unicamp Armando Boito acredita que o neoliberalismo representa, em todo o mundo, uma ofensiva da burguesia contra os trabalhadores. Segundo ele, para nós da América Latina, representa uma ofensiva das economias imperialistas contra...

Publicado: 11 Abril, 2012 - 13h59

Escrito por: Central Única dos Trabalhadores de Sergipe (CUT/SE)

O professor da Unicamp Armando Boito acredita que o neoliberalismo representa, em todo o mundo, uma ofensiva da burguesia contra os trabalhadores. Segundo ele, para ns da Amrica Latina, representa uma ofensiva das economias imperialistas contra as economias dependentes latino-americanas.

Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Boito afirma que o modelo de desenvolvimento brasileiro neodesenvolvimentista, que , segundo ele, o programa de uma frente poltica integrada por classes e fraes de classe muito heterogneas. Para o professor, essa a frente que sustentou os governos Lula da Silva e que, agora, sustenta o governo Dilma.

As organizaes revolucionrias devem participar criticamente dessa frente porque o seu programa atende apenas de modo marginal e muito restrito os interesses das classes populares, defende. Boito afirma tambm que o movimento popular deva levantar a bandeira da independncia nacional. Alm disso, deve pressionar o governo brasileiro para que ele se coloque contra as sucessivas intervenes militares dos EUA e da OTAN nos pases da frica e da sia.

Brasil de Fato Como voc avalia o atual modelo de desenvolvimento brasileiro?

Armando Boito Eu penso que o modelo capitalista vigente no Brasil ainda o modelo neoliberal, embora esse modelo tenha passado por um perodo de reforma. Essa reforma aparece na poltica econmica neodesenvolvimentista e nas polticas sociais da dcada de 2000. Explico. O neoliberalismo representa, em todo o mundo, uma ofensiva da burguesia contra os trabalhadores e, para ns da Amrica Latina, representa, ademais, uma ofensiva das economias imperialistas contra as economias dependentes latino-americanas. Essa dupla ofensiva traduziu-se, como sabemos, em aumento do desemprego, no corte de direitos trabalhistas e sociais, na reconcentrao da renda, nas privatizaes, na hipertrofia da acumulao financeira, na abertura comercial e na desindustrializao forada de pases da Amrica Latina. Pois bem, embora os governos Lula e, na sua sequncia, o governo Dilma no tenham revertido essa dupla ofensiva e tampouco suprimido os seus principais resultados, esses governos moderaram os efeitos negativos do modelo capitalista neoliberal no que respeita s condies de vida da populao trabalhadora e no que concerne proteo do capitalismo brasileiro. A economia voltou a crescer, o emprego e o salrio cresceram, o programa de privatizao foi contido e, como podemos ver no presente momento, o governo Dilma se esfora por proteger a indstria interna da concorrncia dos importados barateados pelo cmbio alto.

Embora o capitalismo neoliberal no tenha sido substitudo por um modelo novo, voltado para as necessidades mais sentidas das massas trabalhadoras, podemos observar um contraste entre, de um lado, a situao brasileira e tambm de vrios pases latino-americano, e, de outro lado, a situao dos principais pases da Europa. Enquanto assistimos a uma nova e forte ofensiva burguesa neoliberal na Inglaterra, na Frana, na Itlia, em Portugal e em outros pases europeus com seus governos majoritariamente neoliberais ortodoxos, na Amrica Latina, onde prosperaram os governos de centro-esquerda e de esquerda, o que vemos so tentativas de moderar o capitalismo neoliberal (Brasil e Argentina) ou mesmo de substituir esse modelo (Bolvia, Venezuela). So respostas diferentes para a crise iniciada em 2008.

Como que voc caracteriza o neodesenvolvimentismo dos governos Lula e Dilma?

O neodesenvolvimentismo retoma a velha aspirao desenvolvimentista, mas o faz em condies histricas novas e com ambio menor. O neodesenvolvimentismo o desenvolvimentismo possvel dentro do modelo capitalista neoliberal. Vou destacar cinco diferenas importantes que o distinguem do desenvolvimentismo do perodo 1930-1980 e que o distinguem, especialmente, da fase em que o velho desenvolvimentismo esteve unido ao populismo entre 1930 e 1964.

O neodesenvolvimentismo, quando comparado ao desenvolvimentismo do sculo passado,

a) apresenta taxas de crescimento econmico bem mais modestas; b) confere importncia menor ao mercado interno, isto , ao consumo das massas trabalhadoras do pas; c) dispe de menor capacidade de distribuir renda; d) aceita a antiga diviso internacional do trabalho, promovendo uma reativao, em condies histricas novas, da funo primrio-exportadora do capitalismo brasileiro; e) dirigido politicamente por uma frao burguesa, a qual ns denominamos burguesia interna, que perdeu toda veleidade de agir como fora antiimperialista. Todas essas cinco caractersticas, que se vinculam umas s outras, fazem do neodesenvolvimentismo um programa muito menos ambicioso que o seu predecessor e tais caractersticas advm do fato de o neodesenvolvimentismo ser a poltica de desenvolvimento possvel dentro dos limites dados pelo modelo capitalista neoliberal. As taxas menores de crescimento do PIB so as taxas possveis para um Estado que, para poder rolar a dvida pblica, aceita abrir mo do investimento; o papel de menor importncia conferido ao mercado interno decorrente do compromisso poltico em manter a abertura comercial; a reativao da funo primrio-exportadora a opo de crescimento possvel para uma poltica econmica que no pretende retomar as posies que o capital imperialista obteve no mercado nacional; todas as caractersticas anteriores desestimulam ou impedem uma poltica mais forte de distribuio de rendas.

Do ponto de vista poltico, quais ss as foras que sustentam esse modelo de desenvolvimento?

O neodesenvolvimentismo o programa de uma frente poltica integrada por classes e fraes de classe muito heterogneas, frente essa que sustentou os governos Lula da Silva e que, agora, sustenta o governo Dilma. Essa frente representa prioritariamente os interesses de um setor importante da burguesia brasileira que a grande burguesia interna.

A burguesia no uma classe homognea, ela encontra-se dividida em fraes cujos interesses de curto prazo diferem entre si em decorrncia das situaes distintas vividas pelas empresas no processo de acumulao capitalista (banco, indstria e comrcio; grande capital, mdio capital; exportao, importao etc.) e em decorrncia do perfil da poltica econmica do Estado. A frao que denominamos grande burguesia interna brasileira integrada por grandes empresas de variados setores da economia. O que unifica essas empresas a reivindicao, motivada pela poltica econmica de abertura comercial e de desnacionalizao da dcada de 1990, de proteo do Estado na concorrncia que elas empreendem com o capital estrangeiro. Essa frao burguesa quer o investimento estrangeiro no pas, mas pretende, ao mesmo tempo, preservar e ampliar as suas posies no capitalismo brasileiro por isso que a denominamos burguesia interna e no burguesia nacional que pode, essa ltima, assumir posies antiimperialistas. V-se que, ao contrrio de uma ideia bastante corrente, a chamada globalizao no fundiu a burguesia dos diferentes pases numa suposta burguesia mundial.

Mas essa grande burguesia interna ganhou com o neoliberalismo. ela a fora dirigente da frente poltica neodesenvolvimentista?

A grande burguesia interna brasileira tambm ganhou com o neoliberalismo ortodoxo da dcada de 1990. Teve ganhos com reduo dos direitos trabalhistas e sociais, com o desemprego que dobrou o sindicalismo e, ponto importante, aumentou o seu patrimnio com a compra, a preo vil, de grandes empresas estatais. Porm, essa frao burguesa acumulou, nesse mesmo perodo, contradies com aspectos especficos do modelo capitalista neoliberal e passou a reivindicar proteo do Estado para no ser engolida pelo grande capital financeiro internacional ou seja, passou a reivindicar justamente aquilo que a burguesia condena, em teoria, no seu discurso ideolgico. A ascenso de Lula representou, acima de tudo, a ascenso dessa frao da burguesia em disputa com o grande capital financeiro internacional. A priorizao dos interesses dessa frao do grande capital pelo Estado brasileiro aparece em inmeros aspectos da poltica econmica dos governos Lula e Dilma. Aparece no abandono a frio da proposta da ALCA, na nova poltica de crditos do BNDES que visa formao dos chamados campees nacionais para diferentes setores da economia, na inverso da poltica de comrcio exterior da era FHC, visando obter saldos crescentes na balana comercial, na legislao que prioriza as empresas instaladas no pas para as compras do Estado e das empresas estatais, na nova poltica externa que visa fortalecer as relaes Sul-Sul e, como estamos vendo neste momento, nas iniciativas do governo Dilma, visando proteger a indstria interna. Pois bem, a grande burguesia interna a fora dirigente da frente poltica neodesenvolvimentista, ou seja, essa frao de classe que define os objetivos prioritrios e os mtodos de interveno poltica da frente. O seu objetivo o crescimento econmico com maior participao das empresas predominantemente nacionais e das empresas estrangeiras aqui radicadas, uma maior proteo do mercado interno e o apoio do Estado para a conquista de mercados externos para a exportao de mercadorias e servios e tambm para a expanso dos investimentos das empresas brasileiras no exterior construo civil, explorao mineral, siderurgia, bioenergia etc.

E voc entende que h uma aliana dessa burguesia com as classes populares?

No exatamente. Como j indiquei, verdade que o programa neodesenvolvimentista contempla tambm, ainda que de maneira perifrica ou pontual, alguns interesses das classes populares operariado urbano, baixa classe mdia, campesinato e a massa empobrecida pelo desemprego e pelo subemprego. Porm, ns estamos utilizando a expresso frente poltica, e no aliana de classes, para caracterizar as relaes que se estabelecem entre as diferentes classes e fraes de classe que compem as bases sociais do programa neodesenvolvimentista porque a unidade entre essas foras um tanto frouxa e no se baseia em um programa poltico claro, que tivesse sido assumido, conscientemente, pelas organizaes das diferentes classes e fraes de classe que integram o campo neodesenvolvimentista. s vezes e para alguns setores da frente desenvolvimentista as relaes se aproximam daquilo que poderamos denominar uma aliana de classes. Estamos vendo isso agora na ao conjunta das centrais sindicais e do grande empresariado industrial para pressionar o governo Dilma para que tome medidas de proteo indstria instalada no pas. Porm, no plano poltico e em geral no assim que se do as relaes entre as foras que compem o campo neodesenvolvimentista. por isso que prefiro falar em frente e no em aliana de classes. Mas, tanto na frente quanto na aliana a base algum tipo de convergncia de interesses.

Como que os interesses populares so contemplados pelo neodesenvolvimentismo?

Entre as classes populares, o crescimento econmico tambm bem-vindo. Depois da dcada perdida do reinado tucano, o crescimento o elemento que une essa frente. Porm, os trabalhadores querem crescimento com emprego de qualidade, com melhoria salarial, com distribuio de terra, enfim, querem que o crescimento favorea as grandes massas. nesse ponto que se instaura o conflito entre a fora dirigente e as foras subordinadas dessa frente poltica.

Esse conflito, convm destacar, tem se mantido, contudo, no terreno da luta econmica. No terreno poltico, quando o neodesenvolvimentismo ameaado, as classes e fraes de classe que compem a frente, agem de maneira unitria aconteceu isso na chamada crise do mensalo em 2005 e nas eleies presidenciais de 2006 e de 2010. Em todas essas conjunturas, a grande burguesia interna, por intermdio de suas principais associaes, e as classes populares, por intermdio de partidos, movimentos e sindicatos, apoiaram Lula e Dilma contra a oposio dirigida pelo PSDB.

Voc entende que as direes dessas organizaes populares teriam sido cooptadas pelo governo, como sugerem alguns observadores?

No, eu no aceito essa anlise. Os trabalhadores tendem a apoiar a frente neodesenvolvimentista devido a melhorias reais que obtiveram no emprego, no salrio, na poltica de assistncia social (bolsa famlia, auxlio de prestao continuada) e, no caso dos pequenos proprietrios rurais, no crdito agrcola. Tivemos uma recuperao do salrio mnimo, embora esse ainda permanea num patamar baixo quando comparado at com o dos principais pases da Amrica Latina. Tivemos, tambm, uma grande melhoria nas convenes e acordos coletivos de trabalho: ao contrrio do que ocorria no incio da dcada de 2000, quando cerca de 80% das negociaes salariais resultavam em reajustes inferiores inflao, nos ltimos anos a situao se inverteu mais de 80% das convenes e acordos estabelecem reajustes acima da taxa de inflao. As condies para a organizao e para a luta sindical melhoraram muito. Temos tido aumento real de salrios. Os governos Lula e Dilma promoveram tambm uma poltica de integrao racial, favorecendo a populao negra que uma parte muito importante das classes trabalhadoras. Parte da classe mdia foi contemplada com a reabertura dos concursos pblicos, com a expanso das universidades federais e com as bolsas e financiamentos para o ensino superior. verdade, contudo, que h setores populares que no ganharam quase nada. Talvez o mais marginalizado pela poltica neodesenvolvimentista seja o campesinato sem-terra, pois os governos Lula e Dilma reduziram muito o ritmo das desapropriaes. Porm, o apoio das direes de organizaes populares, das centrais sindicais e de partidos de esquerda aos governos da frente neodesenvolvimentista no , de maneira nenhuma, um apoio desprovido de base real, ao contrrio do que sugere a noo de cooptao, e tampouco tal apoio contraria a aspirao da maior parte das bases sociais dessas organizaes.

Da maneira como voc exps, pode parecer que todas as classes sociais participam da frente poltica neodesenvolvimentista, que ela no teria inimigos na sociedade brasileira.

No o que penso. A frente neodesenvolvimentista se bate contra o campo poltico neoliberal ortodoxo. Esse campo formado pelo capital financeiro internacional, pela frao da burguesia brasileira perfeitamente integrada aos interesses desse capital e pela alta classe mdia, cujo padro de vida se assemelha ao das camadas abastadas dos pases centrais. A classe mdia muito heterognea e, como ocorre com a burguesia, tambm est dividida. A baixa classe mdia , em grande parte, base eleitoral do PT, mas a votao dos candidatos do PSDB nos bairros de alta classe mdia indica claramente que essa ltima est com os tucanos. Pois bem, a fora dirigente desse campo poltico neoliberal ortodoxo o capital financeiro internacional e seu aliado interno, a frao burguesa a ele integrada. o conflito entre a grande burguesia interna e essa burguesia integrada ao capital financeiro internacional, que so as foras dirigentes, respectivamente, do campo neodesenvolvimentista e do campo neoliberal ortodoxo, esse conflito que se encontra na base da disputa partidria entre o PT e o PSDB.

No que consiste, fundamentalmente, o programa do campo neoliberal ortodoxo?

O programa do campo neoliberal ortodoxo , fundamentalmente, composto pelo trip: a) desregulamentao do mercado de trabalho, b) privatizao e c) abertura comercial e financeira. Na dcada de 1990, o campo poltico neoliberal ortodoxo sustentou os governos Collor, Itamar e FHC e logrou atrair parte do movimento operrio e da massa empobrecida. Basta lembrarmos, para o caso do movimento operrio, o apoio da Fora Sindical a Collor e a FHC e, no que concerne massa empobrecida, o apelo de Fernando Collor, apelo que se revelou eficiente eleitoralmente, aos descamisados, convocando-os para uma luta contra os marajs. Na dcada de 2000, contudo, esses setores das classes populares foram ganhos pela frente neodesenvolvimentista, enfraquecendo eleitoralmente o campo poltico neoliberal ortodoxo. Esse campo, embora domine a grande imprensa e os meios de comunicao de massa, est eleitoralmente enfraquecido. Hoje, escondem o seu verdadeiro programa e agitam apenas a bandeira anti-corrupo. No ousam mais, ao contrrio do que fizeram na dcada de 1990, expor seus verdadeiros objetivos. Mas, ao que Jos Serra, Geraldo Alckimin e Acio Neves realmente aspiram implantar, no Brasil, uma nova onda de reformas neoliberais, moda do que estamos vendo na Europa. Basta ver o que dizem os intelectuais e polticos tucanos para o seu prprio pblico. Nos fruns e meios de comunicao mais restritos, eles pregam a retomada da reforma trabalhista, da reforma previdenciria e criticam a aproximao do Brasil com os governos de esquerda e de centro-esquerda da Amrica Latina. Nos Estados em que so governo, como em So Paulo, deixam entrever, tambm, que pretendem recrudescer a represso contra o movimento popular a desocupao do bairro do Pinheirinhos em So Jos dos Campos mostrou isso. O grande capital financeiro e a frao cosmopolita da burguesia brasileira querem recuperar o terreno perdido no Estado brasileiro e a alta classe mdia tucana quer que as massas populares retornem ao seu lugar.

Como voc analisa as foras progressistas, de esquerda no atual cenrio de desenvolvimento?

A poltica brasileira contempornea ainda est dividida entre, de um lado, as foras que defendem o modelo capitalista neoliberal na sua verso ortodoxa e propem uma nova onda de reformas neoliberais e, de outro lado, as foras que apoiam a verso reformada desse mesmo modelo, verso essa criada pelo neodesenvolvimentismo dos governos Lula e Dilma. As classes populares, embora frustradas em muitas de suas reivindicaes bsicas, ainda do apoio, sobretudo eleitoral, aos governos neodesenvolvimentistas. Os trabalhadores, com razo, veem nesses governos ganhos econmicos e polticos, sobretudo quando comparados aos governos do PSDB.

Eu j tive uma avaliao diferente dessa questo, mas, hoje, entendo que as organizaes revolucionrias e populares devem participar da frente neodesenvolvimentista, embora devam faz-lo criticamente. Devem participar porque tentar, no presente momento, implementar um programa independente, popular ou socialista, s pode levar ao isolamento poltico. A experincia da dcada de 2000 mostrou que em todos os terrenos eleitoral, sindical ou da luta popular as foras que tentaram esse caminho se isolaram ou, pior ainda, acabaram se aproximando, apesar de suas intenes, de foras conservadoras. Alguns descobriram, para a prpria surpresa, que estavam recebendo apoios e aliados muito incmodos.

Mas essas organizaes poderiam alegar que quem integra a frente neodesenvolvimentista est aliado permanentemente a foras conservadoras.

Se alegassem isso, estariam dizendo apenas parte da verdade. No Brasil, dentre os grandes partidos, h apenas dois que me parecem orgnicos: o PT e o PSDB. Representam interesses definidos e tm uma linha de atuao coerente. Porm, o pluripartidarismo brasileiro criou espao para partidos que possuem, principalmente, uma funo, digamos assim, governativa, e no uma funo representativa. O maior deles o PMDB. Esse partido apoia, dentro de certos limites, o governo do momento e o faz em troca de vantagens para seus polticos profissionais. Os limites so os seguintes: o PMDB no apoiaria um governo popular ou socialista e tampouco, pelo menos nas condies atuais, um governo fascista. Mas, no interior desse amplo espectro, eles podem apoiar qualquer governo. A sua base eleitoral est adaptada a esse governismo. Ela tem uma posio de centro, que aspira a governos estveis, e que pode aceitar mudanas pontuais desde que ocorram sem abalar as instituies do regime poltico vigente. Pois bem, isso significa que o PMDB desempenha, hoje, uma funo poltica distinta daquela que ele desempenhou quando ofereceu o seu apoio aos governos neoliberais ortodoxos. E o papel poltico mais importante que o partido ou as pessoas. Ademais, na forma como eu vejo a participao na frente, participao que deve ser crtica, as foras populares e socialistas no esto desobrigadas de fazer a crtica a foras conservadoras que ocupam cargos no governo. As recentes substituies nos ministrios do governo Dilma mostram que a esquerda poderia ousar muito mais nessa matria.

Voc ia, justamente, definir o que voc entende por essa participao crtica.

isso. As organizaes revolucionrias devem participar criticamente dessa frente, porque o seu programa atende apenas de modo marginal e muito restrito os interesses das classes populares.

Participar criticamente significa, em primeiro lugar, no abrir mo das bandeiras populares, mesmo que isso crie conflitos no interior da frente. Eu me refiro, claro, luta por melhoria salarial e por melhores condies de trabalho, isto , para que os frutos do crescimento econmico sejam repartidos. Mas, no se trata apenas dessa luta. Dou alguns exemplos referentes a lutas que esto na ordem-do-dia. Independentemente da posio do governo, no podemos abrir mo da bandeira histrica da reforma agrria e da ocupao de terra. Na questo democrtica, a luta pela punio dos torturadores do perodo da ditadura militar est novamente colocada, sejam quais forem a composio e as intenes da Comisso da Verdade. As manifestaes recentes defronte as residncias e empresas de conhecidos torturadores os chamados escrachos so muito importantes nesse sentido. O movimento popular deve, tambm, levantar a bandeira da independncia nacional. Deve pressionar o governo brasileiro para que ele se coloque contra as sucessivas intervenes militares dos EUA e da OTAN nos pases da frica e da sia.

Em segundo lugar, a participao crtica na frente neodesenvolvimentista significa que preciso fazer a crtica dos aspectos regressivos dessa poltica de desenvolvimento. A reprimarizao da economia brasileira, a esterilizao de um tero do oramento da Unio para a rolagem da dvida pblica, os prejuzos ambientais e muitos outros aspectos antinacionais e antipopulares do atual modelo devem ser criticados pelos setores populares que participam criticamente da frente. preciso ter claro o seguinte. A grande burguesia interna depende do voto dos trabalhadores para manter os governos neodesenvolvimentistas e nem por isso essa burguesia abriu mo de lutar por seus interesses mesmo quando isso fere os interesses dos trabalhadores. As associaes empresariais esto pressionando o governo para que esse reduza os gastos pblicos os gastos com os trabalhadores, mas no com a rolagem da dvida pblica ou com os emprstimos subsidiados do BNDES, poderiam acrescentar e para que efetue reformas que reduzam o custo do trabalho. No sero, ento, as organizaes dos trabalhadores que iro abrir mo de seus objetivos especficos para ganharem nota de bom comportamento no interior desse frento.

Eu penso e esse no um mero chavo que as contradies tendem a se aguar. A economia capitalista neoliberal est em crise na Europa. As foras populares no podem arriar suas bandeiras nem abrir mo da crtica, porque, caso contrrio, podero ser surpreendidas por uma eventual imploso da frente neodesenvolvimentista e se verem sem proposta prpria para seguir em frente.

Armando Boito Jr. professor do Departamento de Cincia Poltica da Unicamp e Editor da revista Crtica Marxista. autor dos livros Poltica neoliberal e sindicalismo no Brasil (So Paulo, Editora Xam, 2002) e Estado, poltica e classes sociais (So Paulo, Editora Unesp, 2007).
Fonte: Nilton Viana - BRASIL de FATO