Escrito por: Airton Florentino de Barros

A Lei da Ficha Limpa pode ser destruída pela PEC 89/2003

A Lei da Ficha Limpa, na prática, deverá ter curta existência. O Congresso Nacional dá com uma mão para tirar com a outra.Primeiro, aprova uma lei que cria severos efeitos concretos contra os políticos condenados judicialmente, para, logo depois...

A Lei da Ficha Limpa, na prtica, dever ter curta existncia.

O Congresso Nacional d com uma mo para tirar com a outra.

Primeiro, aprova uma lei que cria severos efeitos concretos contra os polticos condenados judicialmente, para, logo depois, por outra lei, engessar a atuao das autoridades que os poderiam processar ou julgar.

Era mesmo estranho que polticos potencialmente sujeitos aos impedimentos da Lei da Ficha Limpa (muitos j condenados em 1 Instncia judicial) quisessem aprov-la.

Pois . O Senado acaba de aprovar a Anti-Lei da Ficha Limpa a PEC n89/2003, amarrando definitivamente as mos de Juzes e Promotores de Justia.

Trata-se da mais pesada ameaa contra a independncia funcional (garantia de iseno) de Juzes e representantes do Ministrio Pblico, at aqui enfrentada.

As tentativas de edio, na ltima dcada, das chamadas Leis da Mordaa e da Algema contra Promotores de Justia atuantes na apurao de crimes e atos de improbidade de agentes polticos no chegaram a esse ponto.

que membros do Judicirio e MP, pelo texto original da CF/88, depois de passarem pelo estgio probatrio (vitalcios), s podem perder o cargo por sentena judicial transitada em julgado, em caso de crime incompatvel com a funo, improbidade administrativa, exerccio da advocacia, atividade poltico-partidria, recebimento de honorrios ou custas, cumulao ilegal de funes, abandono do cargo. Outras condutas e faltas funcionais, alis, no ficam sem sano, passveis que so de advertncia, censura, suspenso, remoo.

Entretanto, se aprovada a PEC 89, podero ser demitidos por deliberao do rgo a que esto sujeitos (Tribunal ou Conselho Superior, conforme o caso), em processo administrativo. E o pior, se antes se exigia, para a demisso, a prtica de condutas tipificadas de forma expressa e precisa na CF ou na Lei Orgnica, pela PEC 89 bastar a caracterizao de procedimento incompatvel com o decoro de suas funes (conduta aberta a julgar-se ou no enquadrada conforme o critrio subjetivo de quem estiver no comando institucional).

Juzes e Promotores, por conta da natureza de seu trabalho, j vivem permanentemente na corda bamba. De se imaginar como ficaro inseguros se e quando aprovada a PEC 89.

Coragem nenhuma ser suficiente para fazer um Promotor instaurar um inqurito contra um prefeito do mesmo partido do governador.

A civilizao levou milnios para concluir que certas autoridades precisam de tais prerrogativas, como condio indispensvel para a correta atuao. Tanto assim que no h pas civilizado na histria contempornea que no adote os mesmos princpios. O legislador brasileiro, todavia, sem qualquer suporte cientfico, e numa penada, arvora-se em asseverar o contrrio.

A sociedade brasileira, em razo dos sucessivos governos autoritrios que enfrentou, aprendeu infelizmente a se omitir. Da, entre as autoridades pblicas, quem quer fazer no tem alada e quem tem alada no quer fazer.

S fortes e estveis prerrogativas do cargo, especialmente a independncia funcional, a inamovibilidade e a certeza de que a demisso no ocorrer sem motivo inequivocamente srio e justo podem assegurar que determinada autoridade no sofrer represlias externas ou de sua prpria corporao se tiver que perseguir poderosos.

No sem motivo, ento, que, no pas, s se viram poderosos agentes pblicos processados, julgados e condenados por atos de improbidade, tanto na esfera civil como na criminal, depois da CF/88, que no pode ser agora alterada, nesse ponto, sob pena de danoso e lamentvel retrocesso.

A histria recente do pas bem demonstrou no que deram atos ditatoriais como o que se pretende instituir.

*Airton Florentino de Barros, Procurador de Justia em So Paulo, integrante fundador do Ministrio Pblico Democrtico.

Fonte: Correio da Cidadania