A memória "perigosa" das Ligas Camponesas

Ruas e praas de Sap (PB) acolheram, nesse dia 2 de abril, vrias centenas de pessoas, movimentos sociais e organizaes populares, vindos de diferentes partes da Paraba e de outros Estados da regio e para alm da regio, para, em grande marcha, fazerem memria de Joo Pedro Teixeira, lder emblemtico das Ligas Camponesas da Paraba, assassinado h 50 anos pelos latifundirios da regio, organizados no famigerado Grupo da Vrzea.

Desde cedo, j se podiam ver pelas ruas de Sap, dezenas de jovens e adolescentes das escolas pblicas da regio, inclusive as crianas Sem Terrinha, a desfilarem, fardados, em direo ao cemitrio Nossa Senhora Assuno, onde se acha plantado Joo Pedro Teixeira. Da frente do cemitrio local, e aps a visita reverente feita ao seu tmulo, sob a animao da Equipe de Coordenao do Ato Pblico, uma multido de pessoas, movimentos sociais populares, pastorais sociais, organizaes de base de nossa sociedade, iam-se aglomerando, trazendo suas faixas, suas bandeiras, suas canes, suas palavras de ordem. Dos povos indgenas s comunidades quilombolas; dos movimentos sociais do campo aos urbanos; das pastorais socais a uma longa lista de organizaes populares e redes sociais, expressiva era a representao das classes populares, seja quanto s relaes sociais de gnero ao segmento LGBT; seja quanto s relaes de etnia, de gerao, de espacialidade.

Antes de se iniciar a marcha, a Coordenao de Animao tratava de dar as boas-vindas, de registrar as entidades presentes, de anunciar o roteiro do percurso em direo Praa Joo Pessoa, em Sap. Em seguida, a multido era convidada a escutar, com ateno, declamaes de poemas, inclusive o clebre poema de Thiago de Melo, Madrugada Camponesa.

Sempre animada por canes (Vem, vamos embora, esperar no saber...; Ningum ouviu um soluar de dor...; J chega de tanto sofrer, j chega de tanto esperar..., e por palavras de ordem, com suas faixas estendidas e bandeiras a balanar, iniciava-se a marcha pelas ruas de Sap, at Praa Joo Pessoa, onde haviam sido preparados servios de infraestrutura (gua, sanitrios qumicos...), bem como montadas tendas de exposio de fotos e objetos relativos s Ligas Camponesas e seus protagonistas. Tambm a, escutaram-se algumas falas de protagonistas e aliados das Ligas Camponesas.

Aps o intervalo para o almoo, iniciou-se uma carreata em direo ao povoado de Barra de Antas, zona rural de Sap, onde se localizava a antiga residncia de Joo Pedro e Elizabeth Teixeira e seus onze filhos. Esse stio de sete hectares, graas mobilizao de distintas organizaes articuladas pelo Memorial das Ligas Camponesas, foi recentemente desapropriado pelo Governo Estadual, com o objetivo de construir o Centro de Formao para o campesinato, em especial para os jovens dos assentamentos da regio.

Com a presena de Elizabeth Teixeira, hoje com seus 88 anos (Mulher Marcada para viver, como tem sido carinhosamente chamada), de suas filhas Maria Jos das Neves e Anatilde Teixeira; de Marina, irm de outro lder das Ligas, Ngo Fuba; de Anacleto Julio, filho de Francisco Julio; de Luiz de Lima (Luizinho), presidente do Memorial das Ligas Camponesas; de Joo Pedro Stdile, do MST; de ex-deputados aliados ou envolvidos com as Ligas Camponesas, de prefeitos da regio, de secretrios e outras figuras, foi solicitado a Dom Jos Maria Pires, arcebispo emrito da Arquidiocese da Paraba, para proceder bno do Memorial, cuja sede se acha instalada justamente na casa em que viveram Joo Pedro e Elizabeth Teixeira e famlia.

Coube ao Governador Ricardo Coutinho entregar simbolicamente a chave da casa Elizabeth Teixeira, bem como reconfirmar a aquisio feita pelo Estado dos sete hectares do referido local, com o objetivo de l construir o Centro de Formao para o campesinato.

Vrias falas foram escutadas, completando assim a agenda desse memorvel dia 2 de abril de 2012.

Estava, sim, alcanado o propsito de fazer memria das Ligas Camponesas da Paraba, em especial de Joo Pedro Teixeira e seus companheiros de luta. Cumpria, sim, dar vazo ao exerccio da memria perigosa de que estavam grvidas as Ligas Camponesas, no auge de sua efervescncia, situado entre 1955 e 1964. Cumpria, sim, beber nessas fontes, dela recolhendo lies para o enfrentamento dos desafios presentes e em funo da realizao dos sonhos mais generosas da humanidade, de construo de uma nova sociedade, alternativa barbrie capitalista.

Alm de fazer memria, tambm foi organizado o Ato para a inaugurao do Memorial das Ligas Camponesas, no povoado de Barra de Antas, na zona rural do municpio de Sap. O Memorial das Ligas Camponesas da Paraba constitui uma organizao criada em 2008, com o objetivo de manter viva e vivificante o legado das Ligas Camponesas e de seus protagonistas e lutadores pela Reforma Agrria. Para tanto, a coordenao do Memorial das Ligas Camponesas, em parceria com a CPT e com as universidades pblicas da regio, vem envidando esforos, desde ento, no sentido de viabilizar tais objetivos, por meio de um Centro de Formao para o campesinato, que permita, entre outras atividades formativas, viabilizar a organizao e manuteno de um acervo pblico de memria (fotografias, filmes/documentrios, cartilhas, folhetos de cordel, documentos histricos relativos s Ligas Camponesas, entrevistas, depoimentos, etc.), bem como o despertar da conscincia crtica dos camponeses da regio, em especial os jovens das dezenas de assentamentos da regio, a partir de um projeto de formao permanente, envolvendo diferentes parceiros e aliados, dentre os quais a CPT e as universidades pblicas da regio, notadamente recorrendo s suas atividades de extenso. Nesse sentido, passos vm sendo dados e seguiro prosperando.

Graas a sucessivos encontros e reunies ampliadas, foi-se desenhando a organizao desse grande Ato Pblico que teve lugar em Sap e em Barra de Antas, povoado do mesmo municpio. Tratava-se de, a partir da figura inspiradora de Joo Pedro Teixeira (impacta, ainda hoje, o fato de termos encontrado no Ato vrias crianas e adultos com o nome de Joo Pedro!), centrar ateno no conjunto de protagonistas individuais e coletivos, representativos desse grande movimento social em que se transformaram as Ligas Camponesas.

Em Joo Pedro Teixeira e em tantos lutadores e lutadoras, de ontem, de hoje e de sempre, nos inspiramos para o enfrentamento exitoso dos desafios presentes, associando-nos aos mesmos sonhos de construo de uma sociedade justa e solidria, na qual a Reforma Agrria j no seja uma expresso vaga, mas uma realidade concreta, que permita aos Trabalhadores e Trabalhadoras do campo e da cidade uma vida digna e de qualidade social, em harmonia com a Me-Natureza.

Ontem, hoje, no dia 2 de abril e sempre, sigamos fazendo memria, revisitando Joo Pedro Teixeira e as Ligas Camponesas, movidos por trs dimenses complementares: memria-mstica-utopia, recolhendo as lies do seu denso legado; preparando-nos para enfrentar os desafios presentes, com lucidez e criatividade, e dispondo-nos a avanar na luta por uma sociedade alternativa barbrie do Capitalismo.

Barra de Antas, 3 de abril de 2012

Coordenao do Memorial das Ligas Camponesas da Paraba

Fonte: Alder Jlio, da Coordenao do Memorial das Ligas Camponesas da Paraba