Censo 2022 revela mais de 28 mil quilombolas e 4.708 indígenas em Sergipe
Publicado: 28 Novembro, 2023 - 12h35 | Última modificação: 28 Novembro, 2023 - 13h04
Escrito por: Iracema Corso
‘Censo 2022: Quilombolas e Indígenas em Sergipe’ foi o evento organizado pela Frente Popular Sergipe, na sede da CUT/SE, a partir da apresentação de dados feita pela Coordenação Técnica do IBGE.
A atividade foi realizada no dia 17 de novembro e representa um feito inédito do IBGE. É que pela primeira vez na história do Brasil, a população quilombola foi recenseada e identificada enquanto grupo étnico, o que permite o acesso a informações importantes sobre condições de vida, habitação, emprego, renda, perspectiva de futuro e todos os dados necessários para compor o mais fiel retrato demográfico e socioeconômico dos quilombolas no Brasil. Neste primeiro momento, foi apresentada a pesquisa “Brasil quilombola: quantos somos, onde estamos?”.
Secretária de Combate ao Racismo da CUT/SE, Arlete Silva, destacou a importância dessas informações e citou o questionário do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) debatido em sala de aula. “Muitos alunos me questionaram sobre os detalhes do questionário do SAEB que contabiliza, por exemplo, quantas residências da população negra brasileira não possuem banheiros dentro de casa. É muito importante sabermos com detalhe quem é a população quilombola do Brasil e de Sergipe e como ela vive”, declarou Arlete.
Dirigente nacional da CUT, da CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação) e diretora do SINTESE, a professora Ivonete Cruz deu seu testemunho enquanto professora de História da rede pública de ensino destacando a necessidade de mais informação sobre a história dos povos africanos e indígenas para que essa história seja contada na escola.
“Que bom estarmos discutindo aqui hoje dados do IBGE sobre a população quilombola do Brasil e de Sergipe. As políticas públicas não são construídas do nada, precisamos de informação para cobrar a criação das políticas públicas que possam atender à população quilombola de Sergipe e do Brasil”, resumiu Ivonete Cruz.
Além do retrato do Brasil quilombola, os servidores do IBGE trouxeram dados sobre os povos indígenas, o que possibilitou um debate amplo sobre duas importantes populações que compõem o Brasil.
A dirigente do SINTESE, militante do movimento indígena e do Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena (FNEEI), Edinalva Mendes(Edi Serigy Tupinambá), explicou que a dispersão dos povos indígenas em Sergipe e no Brasil revela um pouco da luta pela sobrevivência, presente na história dos diversos povos que viviam no Brasil antes da invasão dos portugueses que provocou expulsão, destruição de famílias, violências e o extermínio genocida de várias etnias.
População Quilombola é de 0,65% do Brasil
Oficialmente, os quilombolas representam 0,65% da população residente no Brasil e estão em 1.696 municípios. A primeira etapa do Censo Quilombola 2022 do IBGE revelou que a população quilombola residente no Brasil é de 1 milhão 327.802 pessoas, porém deste total, apenas 167.202 pessoas (12,59%) residem em territórios quilombolas oficialmente delimitados. A maioria esmagadora representada por 1 milhão e 160.600 quilombolas (87,41%) vivem fora dos territórios quilombolas oficialmente delimitados.
A Região Nordeste desponta como a região brasileira com 68,2% dos quilombolas do Brasil; enquanto a região Sul possui 2,2% de quilombolas; na região Sudeste os quilombolas são 13,7%, na região Norte são 12,5% e na região Centro Oeste representam 3,4%.
Os 5 Estados com maior população quilombola são Bahia (397.059), Maranhão (269.074), Minas Gerais (135.310), Pará (135.033), Pernambuco (78.827) e Alagoas (37.722).
Retrato Quilombola de Sergipe
O Estado de Sergipe possui a 9ª maior população quilombola do Brasil, com um total de 28.124 pessoas. Entre os quilombolas que residem no território oficialmente demarcado estão:
Santa Luzia do Itanhy (4.405)
Laranjeiras (2.903)
Brejo Grande (1.333)
Japoatã (991)
Capela (769)
Poço Redondo (722),
Canhoba (685),
Porto da Folha (657)
Japaratuba (632)
Barra dos Coqueiros (530)
Pirambu (442)
Onde estão os quilombolas
Durante o debate foi discutido que muitos dos quilombolas não permanecem nos territórios de quilombo por falta de espaço, condições de emprego, renda, sobrevivência, entre outros motivos. A luta pela oficialização do seu território enquanto quilombola continua em muitas localidades. Isso também explica o pequeno percentual de quilombolas que residem em territórios oficialmente delimitados.
O professor Roberto Amorim, por exemplo, que nasceu e se criou no Quilombo urbano da Maloca, próximo ao Centro de Aracaju, contou a história de vários familiares residentes de outras ruas no entorno da Maloca.
“O espaço territorial é pequeno, então as pessoas acabaram saindo do território remanescente de quilombo por não terem espaço para viver com suas famílias que vão crescendo. Foi assim que a minha avó passou a morar na rua que fica atrás da maloca, a Rua Laranjeiras. O território da Maloca mapeado e reconhecido oficialmente como quilombola é pequeno, mas a população descendente do quilombo da Maloca é maior e esse número ainda não foi registrado no censo”, afirmou Roberto Amorim.
A exemplo do que ocorre com o quilombo urbano da Maloca, a população quilombola de Sergipe não se limita aos 11 municípios sergipanos com maior população residente, mas, vai além e alcança 46 municípios sergipanos. Inclusive, a pesquisa do IBGE apontou que em Sergipe 12.724 pessoas vivem no território quilombola (45,2%), enquanto 15.400 quilombolas (54,8%) sergipanos não vivem em território quilombola.
População Indígena de Sergipe
Com 523 anos de história marcada pela contínua expulsão de territórios, com divisão de famílias e apagamento da história dos povos indígenas, hoje a população que se auto reconhece como indígena no Brasil corresponde a 1.693.535, e representa 0,83% da população brasileira presente em 4.832 municípios brasileiros.
Segundo o trabalhador do IBGE, a população indígena está crescendo a cada censo, pois em 2010 foram registrados 4.480 municípios com população indígena, o que provavelmente sinaliza para uma redução do preconceito racial dos brancos portugueses e seus descendentes que desde a invasão do Brasil iniciaram um processo de subjulgamento da cultura dos povos indígenas como estratégia de dominação cultural, além da dominação bélica, econômica e patrimonial.
Em Sergipe, a população indígena é de 4.708 pessoas. Do total de indígenas de Sergipe, apenas 329 vivem em terra indígena enquanto 4.379 vivem em contexto urbano. Proporcionalmente, os municípios com maior população indígena são: Porto da Folha, Cumbe, Siriri, Telha, Propriá, São Francisco, Santa Rosa de Lima, Aracaju e Malhada dos Bois. Já, numericamente, há mais indígenas em Aracaju (1.944) que na terra indígena Ilha de São Pedro, onde habita o único povo oficialmente indígena de Sergipe.
A professora Edi Serigy alertou que a divulgação sobre o baixo percentual de povos indígenas em relação ao total da população brasileira tem se naturalizado de forma preocupante. Estudos indicam que no início do século XVI havia entre 8 e 10 milhões de indígenas no território denominado pelo povo Tupi de Pindorama, hoje Brasil. Logo, número como os apresentados deveriam estarrecer a sociedade de forma que políticas públicas fossem aplicadas para barrar o genocídio em curso desde 1.500.
Ao debater sobre o racismo no Brasil e a dificuldade da maior parte da população se auto-identificar enquanto indígena, negra e quilombola, o dirigente sindical Carlos Augusto, presidente do Sacema declarou que: “ser negro no Brasil é ser um alvo. As pessoas têm dificuldade de se auto-declarar negras e quilombolas porque não é bom ser negro no Brasil”.
Militante do movimento negro, Roberto Amorim revelou que a dificuldade de se auto identificar também vem das dificuldades da maioria da população brasileira de conhecer a própria história de sua família e de seus ancestrais.
“Muitos negros trazidos para o Brasil passaram a ser reconhecidos pelo porto no qual embarcaram. Isso representa o apagamento da nossa história. Ninguém é reconhecido pela nação da qual é descendente, mas é identificado pela propriedade, engenho ou casa de famílias onde trabalhava ao ter sido escravizado”, explicou Roberto Amorim.
O presidente do Sacema, Carlos Augusto, revelou que apesar dos esforços nunca conseguiu descobrir sua origem ancestral. “Isso é muito importante para a maioria da população brasileira afro descendente que deseja saber a história de sua família, assim como a nação africana de onde vieram seus antepassados”.
A História do Censo 2022
No que se refere aos dados sociais da população indígena e quilombola de Sergipe e do Brasil, o servidor do IBGE, Elves Victoriano explicou que todas as informações coletadas ainda estão sendo organizadas para serem divulgadas em outro momento.
“Todo censo tem uma história. E neste censo 2022, a história que temos para contar diz respeito às dificuldades e violências que os trabalhadores do IBGE tiveram que enfrentar para conseguir concretizar o seu trabalho e trazer informações fidedignas sobre a população brasileira. Tivemos caso de cárcere privado, agressões físicas dos trabalhadores do IBGE, a sabotagem do corte de recursos para inviabilizar o Censo 2022. Depois de vencer este cenário, ficamos felizes em estar aqui divulgando a 1ª etapa do resultado deste trabalho que conseguimos concretizar graças ao apoio dos movimentos sociais”, declarou o servidor do IBGE, Elves Vitoriano.
Vinícius Rocha do IBGE explicou que o Censo quilombola utilizou de questionários com tecnologia de GPS para mapear as regiões quilombolas e automaticamente requerer informações referentes à realidade quilombola. “Não foi possível fazer a ligação por dados dos moradores. No ano que vem prevemos a divulgação de todos os blocos temáticos. Ou seja: características dos domicílios, abastecimento de água, os domicílios que têm banheiros, entre outras informações importantes para a elaboração de políticas públicas”, explicou o trabalhador do IBGE.
Vinícius Rocha também reforçou que o reconhecimento oficial do território quilombola assim como do território indígena é fundamental para assegurar os direitos destas populações brasileiras.