Desculpa, Aracaju!
Publicado: 15 Março, 2025 - 12h45 | Última modificação: 15 Março, 2025 - 12h55
Escrito por: José Firmo*

Aracaju, nestes seus 170 anos, mais do que lhe parabenizar, quero lhe pedir desculpas.
Quero lhe pedir desculpas em nome de todas as gerações: as atuais, as anteriores e as futuras.
E por mais paradoxal que possa parecer, quero começar lhe pedindo desculpas por terem trazido você ao mundo.
Pois é, Aracaju, este seu solo atual estava aqui tão tranquilo, cheio de vida, com muitas dunas, muitos manguezais, muitos rios, muitos riachos, muitas aves, muitos animais. Não tinha nada que Inácio Barbosa inventar de lhe implantar justamente dentro deste pântano. Acho que você poderia ser criada, porém não dentro de uma área como a que você ocupa atualmente.
Desculpa, Aracaju por tantos aterros de manguezais e por tantas canalizações de rios, riachos e lagoas, e por tantas dunas destruídas!
Aracaju, você foi e vem sendo violentada por uma parte da sua população, sob a omissão e o silêncio da outra parte!
Quase cem por cento da sua área foi vítima de aterro, Aracaju. Um absurdo!
Quem nunca leu ou ouviu falar sobre o desmonte do Morro do Bonfim (na verdade uma imensa e linda duna), na região central da cidade, na segunda metade dos anos 1950? Durante longos meses milhares de caminhões com a sua areia branca foram levados para aterrar o manguezal no então Bairro Brasília, hoje região do Bairro Industrial e também em várias outras suas regiões alagadas.
Aquela dupla destruição (da duna gigante e do manguezal) virou atração para a população de Aracaju. Contam os registros que diariamente grandes grupos de pessoas iam assistir a sua destruição, como se aquilo, mais do que uma novidade, fosse uma atração cultural.
E o que dizer do aterro do mangue onde hoje é o Bairro Coroa do Meio e de modo semelhante nos bairros 13 de Julho, Grageru, São José, Atalaia..?
Aquelas ações violentas (apenas violentas porque, para aquelas épocas, não se podia dizer que era crime), dada medida, eram compreensíveis. Mas, as décadas se passaram e nós, seus moradores, continuamos cometendo crimes contra você, Aracaju.
Somos cúmplices daqueles que ocupam as margens dos rios que ainda teimam em correm sobre o seu solo, impedindo o acesso e o uso coletivo dos rios.
E por falar em rios, somos cúmplices também dos que teimam em jogar dentro deles tudo o que é tido como imprestável, desde esgotos até todo tipo de lixo.
Desculpa, Aracaju, pois nos dias atuais, somos omissos aos crimes “legalizados”, às obras licenciadas que vão lhe sufocando!
Desculpe, Aracaju por aqueles que elegemos para cuidar de você, para defender você, mas, ao contrário, ajudam a lhe destruir, na maioria das vezes não somente com a omissão, não somente com a cumplicidade, mas também com ações, se valendo do fato de ser "otoridade" temporária!
Desculpe, Aracaju, pelos plenários e pelos plenos; pelos grandes e pelos pequenos! Desculpe pelos que jogam lixo nos leitos das suas ruas e pelos que constroem e destro em a sua fauna e a sua flora. Aqueles não sabem o que fazem, estes fazem sabendo!
Desculpe, Aracaju, pela estrutura que montamos e que pagamos, com suados impostos, as quais deveriam vigiar, fiscalizar, punir quem tanto lhe maltrata, mas, entram na ciranda da omissão e entram décadas e saem décadas e apenas encenam lhe defender!
Desculpe, Aracaju, pelas pontes e viadutos que mais lhe destroem e mais lhe "enfeiam", em nome de uma classe média que tem pressa e de um mercado que tem sede por lucros!
Desculpe, Aracaju, pela canalização das lagoas que têm deixado a sua porção sul uma verdadeira "zona"!
Pois é, Aracaju, agora você pode estar me perguntando: se você acha que eu não deveria ter sido criada aqui, que por minha causa rios, riachos, a flora e a fauna foram e estão sendo destruídos, por que tantos pedidos de desculpas?
Eu diria a você, minha amada Aracaju, que é porque eu componho a espécie destruidora, contribuo para a sua destruição.
E por fim, Aracaju, nestes seus 170 anos de existência, peço desculpas também porque nem sei qual a sua opinião sobre isso tudo.
Nem sei se você se diz tão boa para se viver como falam os políticos, quando para a maioria do povo isso não acontece. Nem sei se você se diz tão bela e tão bem tratada, como dizem os turistas, que mal saem da sua orla marítima.
E nem sei se você se importa com os crimes cometidos contra você, Aracaju, já que a maioria da sua população, na prática, também não se importa.
Preste atenção, Aracaju: nem os seus principais documentos você possui! Ou estão propositalmente defasados ou possui alguns que ajudam na sua derrocada. Plano Diretor, Plano de Mobilidade, Códigos de obras, de postura, de edificações...
Sinceramente, Aracaju, em todos os seus aniversários te enganam com bolo, com refrigerantes e com música, para continuarem lhe aterrando e lhe enterrando.
*Especialista em Gestão Urbana e Planejamento Municipal
*Coordenador do Fórum em Defesa da Grande Aracaju.