Mulher é barrada em fórum de Sergipe porque usava ‘roupa não composta'
Até quando o Judiciário continuará um poder elitista que dificulta o acesso da população?
Publicado: 28 Julho, 2022 - 20h36 | Última modificação: 28 Julho, 2022 - 21h10
Escrito por: Valnísia Mangueira
Um fato que aconteceu, na semana passada, no dia 21, em uma unidade do Tribunal de Justiça de Sergipe (TJSE), em Aracaju, é uma mostra do que se repete diariamente nos espaços do Judiciário pelo Brasil. A situação, que foi gravada e compartilhada pelo advogado da vítima, André Barros, mostra uma mulher negra, que iria participar de uma audiência de instrução, sendo impedida de entrar no fórum sob a justificativa, de um segurança, de que ela estaria fora do padrão de ‘compostura’ exigido pelo órgão.
O constrangimento da mulher levou o advogado a pegar o celular, gravar um vídeo e compartilhar. Mesmo questionando a segurança do fórum sobre a atitude, a vítima foi impedida de entrar no local e só pode participar da audiência após vestir uma blusa emprestada. O vídeo acabou viralizando e repercutiu na imprensa local. Sobre o estado da cliente após a situação, o advogado diz que não está sendo fácil. “Ela ficou muito chateada com o tratamento e agora estamos analisando se será plausível ajuizar uma ação”, afirmou.
O Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário do Estado de Sergipe publicou uma nota lamentando situações constrangedoras dessa natureza que se repetem com frequência nas portarias dos fóruns do Judiciário sergipano. "Esse fato lamentável infelizmente não foi isolado. Outras situações similares já aconteceram em unidades do Tribunal de Justiça e demonstram um frágil acolhimento à população. Barrar uma mulher que estava com roupa que não atendeu ao perfil aceito no TJ representou falta de respeito e exclusão da diversidade social e de gênero," diz a coordenadora de Mulheres, LGBTQI e Políticas Sociais do Sindijus, Sonale Freitas.
A coordenadora do sindicato aponta as contradições, ao se adotar proibições de entrada nos fóruns, com os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil previstos no art. 3°, IV, da Constituição Federal: "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação" e com os direitos fundamentais previstos no art. 5°, XLI, da Constituição Federal: "a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais".
Outros casos
Em 2018, o Sindijus realizou um ato público, no mesmo Fórum Integrados III (onde a cidadã foi impedida de entrar) em defesa de uma servidora efetiva que trabalhava no local. Na ocasião, a trabalhadora do Tribunal vinha sofrendo o que descreveu como perseguição sob o argumento de que deveria revisar suas vestimentas, inclusive com a instituição de uma ‘fiscalização’ dos trajes das servidoras.
Situações similares ocorrem pelo Brasil. Em 2019, foi noticiado o caso de uma advogada rondoniense proibida de entrar nas dependências do tribunal também por causa da roupa. Na época, os seguranças alegaram que a advogada estaria "com tudo pra fora", o que, segundo a vítima, não era compatível com a realidade, pois estava vestindo calça comprida e uma blusa de altura até o cotovelo. O motivo seria que a roupa era ‘muito justa’.
Em 2017, outra advogada, desta vez em Uberlândia (MG) em virtude do decote que o segurança achou exagerado. Na época, Natália Martins postou a situação nas próprias redes sociais. “Fui constrangida em um local público, durante o exercício da minha profissão, simplesmente por ser mulher. Simplesmente porque o machismo é tão grande que homens se julgam no direito de todos os dias escolher como nós vamos nos vestir, comportar e viver”, observou. No caso da uberlandense, o diretor do Fórum pediu desculpas pela situação.
No mesmo ano, uma advogada de Goiânia (GO) foi impedida de sustentar oralmente porque não estava vestindo mangas longas. Ao considerar sua vestimenta inadequada, um desembargador de Tribunal Regional do Trabalho se recusou a escutá-la. Quando o fato ocorreu, em entrevista à TV Migalhas, Pamela Amaral afirmou que não havia qualquer especificação no regimento interno do TRT sobre mangas longas. "Acho que o desembargador quis demonstrar poder".
Apoio
A seccional sergipana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também publicou uma nota na qual também lamenta o episódio e diz já ter solicitado informações, esclarecimentos e providências à Corregedoria do TJSE sobre o fato ocorrido, “requerendo, desde já, que toda e qualquer orientação de natureza subjetiva sejam imediatamente suspensas, além da adoção de treinamentos para que situações semelhantes não voltem a acontecer”, complementa a nota.