Mulheres da CUT discutem assédio moral contra trabalhadoras no Nordeste
Com temática diversa e muitas palestrantes, Encontro online discutiu caminhos para vida feminina no Nordeste com saúde, trabalho, direitos iguais e sem machismo
Publicado: 17 Junho, 2021 - 15h39 | Última modificação: 17 Junho, 2021 - 16h18
Escrito por: Iracema Corso

“‘Você não está preparada’ é o que ouvimos. Mas isso é só uma desculpa machista para manter a mulher fora dos espaços de poder. O caminho para o fim do assédio é a denúncia”, afirmou Junéia Batista, Secretária da Mulher da Central Única dos Trabalhadores (CUT), no Encontro Regional Nordeste Mulheres na Luta por Políticas Públicas e Maior Participação Política, realizado nos dias 11 e 12 de junho, sexta e sábado.
Mais de 100 mulheres trabalhadoras dos estados nordestinos de Alagoas, Sergipe, Bahia e Pernambuco participaram do encontro on-line e iluminaram debates com poesia, arte, além de importantes reflexões sobre a condição da mulher e desafios da luta feminista no Brasil.
Com a pandemia, o índice de violência contra a mulher, que já era alto, aumentou. Além da violência física, também cresceu o assédio moral, desemprego, baixa remuneração, desvalorização do trabalho feminino e a sobrecarga com tarefas domésticas.
Ana Georgina Dias, economista do Dieese, afirmou que o desemprego na pandemia atinge principalmente o público feminino, pois apenas 39% das mulheres em idade economicamente ativa estão empregadas, enquanto os homens empregados alcançam a marca dos 57%.
Além da remuneração inferior a dos homens, a sobrecarga da mulher durante a pandemia foi outro índice apontado. Segundo dados apresentados pela economista do Dieese, mesmo a mulher empregada dedica em média 22 horas semanais ao trabalho doméstico, enquanto os homens gastam 11 horas semanais, a metade do tempo, em afazeres domésticos.
Flagrante do racismo estrutural, Ana revelou que entre as pessoas em idade de trabalhar, as mulheres pretas e pardas juntas somam quase 54% das pessoas desempregadas. No geral, a população negra desocupada chega a mais de 60% enquanto os brancos desocupados são apenas 36,3%. “A gente não age sobre a realidade sem conhecer a realidade. Então é desanimador, mas é preciso apresentar esses dados”, afirmou Georgina.
Trabalho Doméstico
E por falar em machismo, racismo e preconceito de classe, Creuza Oliveira, dirigente da Fenatrad (Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas) falou sobre a morte do garoto Miguel, de 5 anos, filho da trabalhadora doméstica Mirtes, que foi abandonado pela patroa no elevador do prédio.
“Este crime aconteceu numa violação da condição da quarentena que estava instaurada naquele momento. Muito forte este acontecimento. Uma desgraça que revela o desespero da trabalhadora que não encontra creche para deixar o filho. A necessidade de cuidar do filho e a luta pela sobrevivência para trabalhar. Por isso nossa luta permanente por creche. Nós, trabalhadoras domésticas, temos mais de 80 anos de organização sindical. E avançamos sim. O fato de termos sindicatos em quase todo o Brasil é grande avanço. No Nordeste nossos sindicatos estão na luta, no movimento de mulheres, no movimento negro, no movimento social por moradia e no movimento sindical”, informou Creuza.
A dirigente sindical falou sobre as dificuldades enfrentadas pelas trabalhadoras domésticas, chegando a casos absurdos de violência, cárcere privado, assédio moral, entre outros. A dirigente fez um panorama histórico da luta das trabalhadoras domésticas no Brasil e agradeceu o convite. “Precisamos fazer isso mais vezes para fortalecer a organização das mulheres trabalhadoras da CUT”, afirmou Creuza Oliveira.
Avanço Conservador
No segundo dia do encontro, a professora da UFAL Sandra Lúcia dos Santos destacou a importância das mulheres feministas voltarem a disputar espaço nos conselhos de direitos representativos da sociedade civil. Da mesma forma, reforçou a necessidade das mulheres feministas participarem dos conselhos tutelares que são espaços de atuação, inserção social e não podem ficar dominados pelo retrocesso de ideologias conservadoras, machistas, misóginas, como tem ocorrido em várias partes do Brasil de maneira estrategicamente organizada.
O tema parece continuar a exposição feita pela médica sergipana Priscilla Batista explicando como o conservadorismo e o desmonte das políticas públicas têm afetado a saúde e até a vida das mulheres. “A saúde sexual e reprodutiva em nossa sociedade enfrenta vários obstáculos como a misoginia (ódio ou aversão às mulheres), o racismo e a aporofobia, que é a repulsa por pessoas em condição de miséria”.
Nesta luta pelo direito das mulheres de sobreviver com saúde ao machismo e aos ataques misóginos do conservadorismo, a médica Priscila citou várias ações após a primeira menstruação tais como: o acesso a métodos contraceptivos efetivos, acesso ao pré-natal de qualidade, o enfrentamento à violência obstétrica, descriminalização do aborto, prevenção de câncer de colo e mama, desmedicalização da velhice, enfrentamento das situações de violência contra a mulher e combate à cultura conservadora misógina. “Educação e organização das mulheres transformar esta realidade”, afirmou Priscilla.
A secretária da mulher trabalhadora da CUT Sergipe, Cláudia Oliveira, avaliou que a participação das mulheres no Encontro foi muito boa com debates oportunos e urgentes para a mulher trabalhadora. "Realizar um encontro virtual com mais de 100 mulheres que representam trabalhadoras dos mais diversos sindicatos filiados à Central Única dos Trabalhadores e Trabalhadoras dos estados nordestinos é um indício de crescimento da participação da mulher na política. Ser dirigente sindical, não é tarefa fácil para as mulheres, daí é preciso ressaltar que a cada dia que chegar uma liderança feminina nos sindicatos é importante fortalecer com debates como esse para o seu crescimento e enriquecer a sua formação, afirmou Cláudia.
Pioneiras na luta – Mulheres da CUT combativas na ação
1
Hoje eu peço permissão
Para nossas ancestrais
Que me tragam inspiração
E as rimas magistrais
Abençoem meu pincel
Para registrar em cordel
Trajetórias triunfais
2
Companheiras imortais
Que deixaram como herança
Uma história de lutas
Sem perder a esperança
Não devem ser esquecidas
Aqui serão acolhidas
Traduzem perseverança
3
Não apenas a bonança
Registra suas passagens
No entanto os seus feitos
Traduzem toda a coragem
E as histórias de luta
Em casa ou na labuta
Ampliam nossas paisagens
4
Meu cordel traz em imagens
Marcas do pioneirismo
Até mesmo antes da CUT
Do atual sindicalismo
Mulheres já guerreavam
Pelo futuro lutavam
Combatendo o machismo
5
No inicio o feminismo
Da mulher Alagoana
Que é forte e valente
Como Jarede Viana
Precursora militante
Enfrentou, foi adiante
Sua luta nos irmana
6
A coragem da Baiana
Aparece na essência
De uma Heroína Negra
Que queria independência
Líder Maria Felipa
Liberdade se emancipa
Pela sua insistência
7
Símbolo de resistência
Nas terras Pernambucanas
Bárbara de Alencar
Era uma republicana
Considerada a primeira
Da política prisioneira
Sua garra nos emana
8
A figura Sergipana
Reconhecida parteira
É a Josefa da Guia
Neste ofício pioneira
Grande líder quilombola
Que nos serve de escola
Pela força verdadeira
9
O machismo dá rasteira
Quer a história apagar
Mas nós estamos aqui
Para juntas celebrar
As que desataram nós
Hoje não estamos sós
Temos muito pra contar
10
Há muito pra conquistar
A luta não é em vão
Temos metas e princípios
Pauta e organização
Dos plantios e colheitas
Nós sabemos as receitas
Temos força e coração
11
Dessa nossa união
Viramos sindicalistas
Montamos as nossas pautas
Nos formamos ativistas
Atuando em várias frentes
Conquistando ambientes
Somos mulheres Cutistas
12
Acumulamos conquistas
No curso de nossa história
Frutos de muitas batalhas
Com derrotas e vitórias
Por isso comemoramos
E sempre valorizamos
Essa imensa trajetória
13
Vou puxando da memória
A CUT e seus Congressos
Começa em 86
Nosso primeiro sucesso
Era o início da inclusão
E da organização
À Central temos acesso
14
Adiante mais progresso
Conquistamos garantia
De ter a cota de gênero
Nem igual, nem maioria
E dentro da direção
Nossa participação
Ainda pouco se via
15
Pois uma Secretaria
Se fazia necessária
Para discutir as pautas
De maneira igualitária
Dos direitos da mulher
Ser e estar onde quiser
Inclusive na plenária
16
A causa prioritária
Culminou na paridade
Incluída no Estatuto
Espaços e atividades
Inclusive a direção
Disso não abrimos mão
Luta não é caridade
17
Temos força e vontade
Lutamos em coletivo
No combate a violência
Direito reprodutivo
Maior participação
Em espaços de decisão
Num coro afirmativo
18
Não me falta adjetivo
E nem verbos de ação
Abaixo o patriarcado
E qualquer exploração
Ampliamos nosso passo
Fincamos o nosso espaço
Resultado da união
19
Com mais participação
Se pautando no respeito
Em movimentos sociais
Ampliamos o conceito
Dando visibilidade
Respeito e dignidade
A que todas tem direito
20
Muitos são os nossos feitos
No combate ao machismo
A mulher trabalhadora
Dentro do sindicalismo
Não se julga ou submete
Nossa batalha reflete
Os ganhos do feminismo
21
Abaixo o sexismo
Queremos autonomia
Com trabalho, emprego e renda
Nada nos diferencia
No momento atual
Queremos salário igual
Não é mera utopia
22
Resistimos todo dia
Ouvindo o não e o sim
Mas nunca descansaremos
Mudaremos tudo enfim
Para uma nova paisagem
Meu cordel é homenagem
A tantas iguais a mim.
Susana Morais
Recife, 11 de junho de 2021