No Peru, a guerra de informação sobre as drogas
O assunto drogas influencia diretamente a soberania do país andino. Os mais afetados são os camponeses cocaleiros que veem sua produção ancestral ser dia pós dia mais atrelada ao narcotráfico no país.Longe de uma definição acerca de uma...
Publicado: 16 Abril, 2012 - 14h13
Escrito por: Central Única dos Trabalhadores (CUT/SE)


O assunto drogas influencia diretamente a soberania do pas andino. Os mais afetados so os camponeses cocaleiros que veem sua produo ancestral ser dia ps dia mais atrelada ao narcotrfico no pas.
Longe de uma definio acerca de uma poltica antidroga, o advogado e pesquisador peruano Ricardo Sabern, mestre em Poltica Internacional e Estudos de Segurana Nacional pela Universidade Bradford, na Inglaterra, rechaa a atual poltica adotada pelo governo Ollanta Humala. No Peru, o debate sobre as drogas ganhou um tom militar como se fosse assunto apenas dessa alada, quando teria que ser apoderado pela sociedade civil, pelas comunidades, associaes e movimentos sociais, defende.
Sabern recentemente pediu demisso do cargo de Presidente da Agncia Peruana Antidrogas por no aceitar, entre outras questes, a forma como os produtores da folha de coca vm sendo tratados. Desde 2008, vrios lderes camponeses cocaleiros vm sendo presos arbitrariamente acusados de envolvimento com o narcotrfico e com o terrorismo no pas.
Em entrevista, Sabern, tambm fundador do Centro de Investigao de Drogas e Direitos Humanos no Peru CIDDH, revela que a questo das drogas e o narcotrfico no pas perpassa por diversos interesses, principalmente estadunidense. H uma manipulao nas informaes sobre drogas e narcotrfico no Peru para fins polticos.
Brasil de Fato O que significa a folha de coca para o campons peruano?
Ricardo Sobern Estamos falando de 100 mil famlias camponesas peruanas, o que d em torno de 360 mil pessoas que vivem na serra, prxima da selva, que tem uma parcela de cultivo da folha de coca. O campons peruano trabalha com a diversidade de cultivos, o que lhe permite ganhos durante todo o ano. A folha de coca, sobretudo, proporcionou-lhe liquidez e dinheiro permanente para pagar suas despesas, alm, claro, de ser um cultivo muito popular que passa de uma gerao para outra.
E hoje? Qual a principal ameaa que sofre o campons cocaleiro no Peru?
A Agncia Internacional de Desenvolvimento (AID) influencia o governo peruano e ambos fazem um discurso que no existe desenvolvimento rural com a folha de coca, por isso teria que extinguir seu cultivo. E assim lanam uma srie de projetos que dizem que o campons tem que se converter em empresrio, agroexportador, utilizando suas terras de outra maneira. No falam, por exemplo, que na Selva Alta no Peru, h muita chuva que pode prejudicar o solo e que somente h condies para determinado tipo de cultivo, no em grande intensidade, mas um stio com vrias plantaes e uma delas a folha de coca.
Fora que desde 2008 vrios lderes camponeses cocaleiros vm sendo presos arbitrariamente acusados de envolvimento com o narcotrfico e com o terrorismo no pas. Em San Martin, cidade prxima Amaznia peruana, os cocaleiros ainda sofrem presso das transnacionais que querem suas terras para outros cultivos, numa regio que tem testemunhado o desenvolvimento da atividade da agroexportao e os preos dos produtos agrcolas nessa regio, que no a folha de coca, subiu muito. Principalmente porque os estadunidenses investiram muito dinheiro na produo de arroz e caf, alm de ser uma regio que possui bastante gua.
O que de fato destinado da produo da folha de coca ao narcotrfico no Peru? Como se d esse processo?
H um problema srio que na verdade poltico quando se fala das metodologias de converso da folha de coca em cocana, pois h um dficit de informao sobre isso que gera polmica, criminaliza os camponeses produtores e, sobretudo, possibilita uma interveno dos Estados Unidos. Estima-se que nas zonas andinas da Colmbia existam 62 mil de hectares plantados de folha de coca. O Peru teria pouco menos, 61 mil hectares, produzindo aproximadamente 130 mil toneladas de folha de coca. A cada dois quilos de pasta-base lavada, sai um quilo de cloridrato de cocana, que posteriormente exportado via portos peruanos ou nas fronteiras com o Brasil; ou ainda repassado para organizaes internacionais.
Destes 61 mil hectares cultivados no Peru, dez mil so destinados a consumos tradicionais e o restante abastece o mercado do narcotrfico. Mas, veja bem, existem atravessadores neste processo dos dois lados, do formal e informal.
Do formal, a captura de parte dos dez mil hectares destinados ao consumo, digamos legal, feito pela estatal Yanoca, que recebe recursos internacionais de organizaes antidrogas. Porm, a estatal repassa o que apanha geralmente apenas para o consumo de um contingente indgena na selva peruana, o que do meu ponto de vista uma propaganda nefasta, pois aponta como se somente os ndios consumissem coca, mais ningum, gerando uma viso egocentrista, colonizadora.
E da maneira informal e que o Estado no reconhece, h o processo dos atravessadores da matria-prima para transformao da cocana. Assim, o mercado do narcotrfico abastecido principalmente pela falta de polticas pblicas e no da interveno policial, que existe. O centro do problema no o campons, e sim uma gama de pessoas que lucra com isso.
E quem so essas pessoas que lucram com o narcotrfico no Peru?
Temos mais ou menos 600 grupos de narcotrfico no Peru. Lava-se 4 milhes de dlares do dinheiro do narcotrfico no pas em comrcio, transporte e nas mais diversas redes sociais econmicas. E como qualquer outra commodity, o preo da cocana pode variar de 4 a 15 mil dlares, o quilo. Alis, muito mais que uma commodity, pois varia demais o preo. O trfico da cocana est convertido num instrumento de sobrevivncia econmica no mundo globalizado em muitas sociedades. Portanto, o comportamento do Estado no Peru, da Polcia Nacional, do Ministrio Pblico e de parte dos advogados, juzes, diplomatas e polticos, de conivncia, pois lucram com o narcotrfico.
Geralmente os pases produtores da folha de coca no so os grandes conversores da matria-prima para a cocana. No Peru isso diferente?
No diferente, embora exista tambm a converso no Peru. No acredito que seja a quantidade que os informes internacionais mencionam de 325 toneladas de cocana. Porque no pas se captura de onze a quinze toneladas mtricas anualmente da droga e os hectares que destinamos plantao da folha de coca no pas no chegariam a essa quantidade.
Na Colmbia, por exemplo, se captura bem mais, cerca de 130 toneladas de cocana. Segundo estudos internacionais, no mundo se produz 1.200 toneladas mtrica de cocana. Desse montante, as operaes das polcias interceptam 700 mil, restando 500 mil toneladas ao mercado, dando um rendimento de aproximadamente 80 milhes de dlares anuais.
No Peru, a questo das drogas tornou-se extremamente discutida num tom militar, como se fosse responsabilidade apenas dessa alada. Esse assunto teria que ser tomado pela sociedade civil, pelas comunidades, associaes e movimentos sociais.
Voc cita os Estados Unidos no comeo da entrevista...
A satanizao da folha da coca, e no de hoje, sempre serviu como desculpa para intervenes estadunidenses na Amrica Latina. No Peru, em especial, isso comeou na dcada de 1950. Uma verdadeira esquizofrenia do Estado mirou os camponeses cocaleiros, o que deixou bem feliz os Estados Unidos na poca, que ganhou campo em nosso pas e pde, a partir da, avanar muito mais.
Avanar muito mais em que sentido?
Um dos sentidos a presena de militares. Eu no acredito em bases estadunidenses no Peru, mas sim em dispositivos mveis. Nos ltimos anos, temos uma relevante frequncia de ingressos de militares estadunidenses nas tropas de treinamento da Marinha, do Exrcito e Fora Area Peruana.
Para se ter uma ideia, at 2004, o Congresso da Repblica tinha que autorizar a entrada de militares estadunidenses no Peru. Isso acabou quando o presidente Alejandro Toledo Manrique (2001-2006), grande amigo dos Estados Unidos, imps uma lei que o ministro de Defesa apenas precisa informar ao Congresso sobre a entrada, mas no mais pedir permisso para os militares estadunidenses treinarem nossas tropas. Por isso hoje a entrada praticamente livre.
Eles desenvolvem um treinamento especfico no trabalho de infantaria na selva peruana com a desculpa de atacar grupos terroristas e o narcotrfico, criando uma dependncia de nossas foras armadas aos ditames militares estadunidenses. Essa situao leva o Peru ao encontro do Comando do Sul, que uma tentativa de controle da regio efetivado por tropas dos Estados Unidos. Sua atividade planejar as operaes de segurana na Amrica Latina, sendo responsvel por toda segurana do Canal de Panam, uma rota martima por onde se exportam as principais matrias-primas da regio. Estados Unidos e China so os principais usurios desse canal.
Da tambm o interesse pela sada do mar, haja vista que o Peru se situa entre pases que ocupam grande parte da costa do Oceano Pacfico e que j sofrem grande influncia estadunidense, Chile e Colmbia, salvo o Equador...
No a toa que a Marinha a que teve sempre, entre as trs foras armadas peruanas, mais militares estadunidenses e se posiciona de maneira mais conservadora em diversos assuntos.
Fora as foras armadas, como esse domnio estadunidense se estende ainda com a desculpa do narcotrfico no Peru?
Esse menos despercebido aos olhos de todos, est infiltrado em diversas relaes sociais e econmicas. Porm perpassa a questo do narcotrfico e visa defender todo interesse estadunidense na Amaznia peruana, principalmente pelo gs e contra a investida da esquerda no Peru.
As ONGs peruanas, em sua maioria financiadas pela AID com dinheiro dos Estados Unidos, alimentam financeiramente a imprensa, universidades, partidos polticos e congressistas. Exemplos: o maior grupo empresarial do pas pertencente a uma famlia peruana, dona do jornal mais lido de Lima, El Comrcio, que impe a viso yankee. Possuem ainda televiso, rdio e jornais em todo pas. Trs analistas que escrevem para o jornal so pagos para fazerem artigos conforme a conjuntura poltica do pas e da Amrica Latina. A Universidade Catlica do Peru tem um centro de estudo internacional, assegurando discursos e fontes aos favores estadunidenses. No congresso, para defender leis e formas de exportao que beneficie os Estados Unidos est Luis Ibrico, do Partido Aliana para o Progresso. Todos so pagos por contratos de supostas consultorias prestadas AID ou s ONGs financiadas por ela e, assim, manipulam todas as suas estratgias de ao.
Para concluir, explique a preocupao dos Estados Unidos com a ... investida da esquerda no Peru.
Ao meu ver Brasil e Argentina so os grandes pases da regio, se colocam como uma slida frente poltica com governos progressistas e mais esquerda.
Por conseguinte, vem o bloco da Aliana Bolivariana para os Povos das Amricas (ALBA) com Venezuela, Equador, Bolvia e Cuba. Sobra nesse contexto, Mxico, Chile, Colmbia e Peru. Imagine se o presidente Ollanta Humala aplicasse seus discursos nacionalista e mais esquerda que fez durante sua campanha para presidncia da repblica? Seria um caos para os Estados Unidos, que hoje tratam de maneira muito cordial o presidente Humala. Portanto, o Peru estratgico e preocupa muito os estadunidenses diante dessa configurao poltica no continente.
Fonte: Mrcio Zonta, de Lima (Peru) - BRASIL de FATO