Escrito por: Iracema Corso
Falta de segurança alimentar e falta de moradia fazem crescer população em situação de rua em Sergipe. O 1º Seminário sobre Política para a População em Situação de Rua fortalece luta por melhorias concretas
O 1º Seminário sobre a Política Nacional e Estadual para a População em Situação de Rua aconteceu na manhã desta terça-feira, dia 26 de março, na sede da Central Única dos Trabalhadores (CUT/Sergipe).
Ao fim do debate, o presidente da CUT/Sergipe, Roberto Silva, entregou um documento para os representantes do Governo de Sergipe e da Prefeitura Municipal de Aracaju que estavam presentes no Seminário para que sejam cumpridas as reivindicações mais urgentes para a população em situação de rua de Sergipe:
*Política de emprego, garantia do Auxílio Moradia e habitação popular para população em situação de rua;
*Ampliação de abrigo público e suas especificidades (mulheres com crianças, deficientes físicos e mentais) para homens e mulheres, bem como mulheres trans e homens trans;
*Retomada do direito à gratuidade para restaurante Padre Pedro;
*Cursos profissionalizante e oficinas de artesanatos para Centro Pop-Rua;
*Garantia da alimentação a todos os usuários do Centro Pop-Rua;
*Construção de espaço e equipamentos dignos para a população em situação de rua: banho, dormitórios, água potável, fraldas, dignidade menstrual etc;
*Definição nítida da política para garantia do auxílio moradia para homens e mulheres em situação de rua;
*Questionar a secretaria municipal de assistência social sobre os critérios para concessão de auxílio moradia para população em situação de rua, tanto para as famílias, quanto para unipessoal;
*Garantia de serviços médicos-psicológicos e medicação para população em situação de rua;
*Melhoria no atendimento e prestação dos serviços diários à população em situação de rua, de forma humanitária, respeitando a realidade dessas pessoas;
*Necessidade da política para realizar abordagem à população em situação de rua de modo a assegurar as políticas públicas;
*Criação da rádio e tv pop-rua;
*Necessidade de uma política de economia solidária e EPI para essas pessoas, sendo necessário criação de Cooperativa de Catadores;
*Construir política de esporte e lazer para população em situação de rua;
*Centro-Pop deve ser o espaço para encaminhar as políticas públicas destinadas à população em situação de rua: Auxílio-Moradia, habitação popular, Caps, restaurantes populares, tratamento médico etc.
A mesa de abertura foi composta por Cristiane Oliveira (representante das usuárias de equipamentos públicos e ex-população de rua), Roberto Silva (presidente da CUT/SE) e Rosivânia Ramos, assistente social voluntária e militante da Comunidade Bom Pastor. Estava prevista a presença do coordenador-geral de Políticas para os Direitos da População em Situação de Rua do Ministério de Direitos Humanos, Chico Nascimento, mas por problemas de saúde, ele não pôde participar do Seminário e foi substituído na mesa de debate pelo professor do Departamento de Filosofia da UFS, Romero Venâncio.
Participaram do Seminário, o Ministério de Emprego e Renda (MTE), CREAS/SC, PRD (Projeto Redução de Danos), SEMAS/SC, SEMFAS, CNRua/SMS, CNR/UFS, Consultório na Rua, CNAR, CUT, ADUFS, SEASIC, professor José Henrique Conal, Comunidade Bom Pastor, Cleiton de Oliveira Coletivo A Rua, Gabinete Vereadora Sônia Meire, Centro POP, SINTESE, Sindoméstico/Se, Acolher - Casa de Passagem, CIAMPE/ PSR/SE, Santas, CP Freitas Brandão, SINPSI e SINDASSE.
Exposição de Problemas
Cristiane Oliveira, revelou que o atendimento da população em situação de rua em Aracaju está um caos. No Centro Pop Aracaju, que atende mais de 100 pessoas, falta torneira no banheiro das mulheres e no banheiro dos homens também; faltam materiais de higiene pessoal e Cristiane também criticou a falta de limpeza dos equipamentos públicos destinados à população em situação de rua. Outro problema grave denunciado foi a distribuição de comida estragada.
“O atendimento é péssimo. Venham olhar as condições dos abrigos. Qualquer problema que se fale botam logo a pessoa pra fora. Hoje não sou mais moradora de rua, mas meus amigos se encontram em situação de rua, são cadeirantes, idosos, idosas, mães e pais de famílias. É um sofrimento grande, uma angústia, um caos... Eu vim aqui para pedir socorro, em nome da população em situação de rua. A gente precisa de solução para hoje, não dá pra esperar o amanhã”, destacou Cristiane Oliveira.
Além das questões materiais, o sofrimento da humilhação, devido ao preconceito social, também foi tratado por Cristiane Oliveira. “A voz da população em situação de rua não é escutada. A gente está sem identidade porque a fala da gente não vale nada. A gente chega num posto médico, chega numa padaria, num mercadinho, às vezes até temos dinheiro, então somos vistos com preconceito... Você está com o cabelo bagunçado; você está com a roupa suja; você não sabe falar direito; você não tem estudo... Então a população em situação de rua precisa ser tratada com dignidade...”, alertou Cristiane.
Na Corrida que aconteceu domingo na Praça Fausto Cardoso, Cristiane contou que haviam mais de 50 banheiros químicos para o evento. “Nós, moradores de rua, em Praça nenhuma de Aracaju, nós não temos um banheiro para fazer as nossas necessidades. Ver aquilo, doeu, porque a gente vê que não falta banheiro, falta vontade de dar dignidade mínima pra população de rua. O Governo não tem respeito por nós. Só em ano de política é que eles enxergam que a gente existe”, criticou Cristiane.
Ciclo de exclusão social por falta de políticas efetivas
Rosivânia Ramos, assistente social voluntária e militante da Comunidade Bom Pastor, reforçou que a população em situação de rua em Aracaju e em Sergipe não está tendo uma oportunidade para mudar de vida. “É a fome que leva as famílias para as ruas. O governo tem como resolver o problema da fome. A insegurança alimentar é injustificável que exista em qualquer cidade, estado, nação”, ressaltou.
Rosivânia alertou que os direitos da população em situação de rua em Sergipe e em Aracaju estão sendo negados pela gestão municipal e estadual, e só são cumpridos com a pressão do Judiciário, através dos Ministérios Públicos, que ameaçam multar o Estado e o município de Aracaju.
“Essa dor não tem sentido de ser. Isso é falta de vontade política. Já reunimos mais de 100 mulheres, elas querem uma vida melhor para poder sustentar seus filhos e tirá-los da zona de risco. Os adolescentes que estão lá, querem estudar, ter um melhor emprego... Sem oportunidade, as meninas de 13 e 14 anos que vivem nas ruas com suas famílias sem política pública nenhuma para encaminhar esta juventude pra um estudo, pra um trabalho, elas acabam se envolvendo com dependentes químicos nas ruas e logo já são mães. Qual estrutura uma menina dessa tem para ser mãe ou para que seus filhos não tomem o mesmo caminho?”, questionou Rosivânia Ramos.
O professor de Filosofia da UFS, Romero Venâncio, fez um resgate histórico para afirmar que entre 1888 até 1930 não houve nenhuma política pública sequer para a população negra do Brasil. “Nada. Nem moradia, nem educação, nem renda. Alguém acha que a favela do Brasil nasceu por obra do céu ou do inferno? A favela nasceu de um chão histórico, de uma ausência brutal de política para a população em situação de rua. Nós temos herança brutal escravista e a falta de política pública é porque não querem pensar nesta herança”, resumiu Romero.
Pelo tamanho do Estado de Sergipe e de Aracaju, o professor Romero Venâncio criticou a frieza dos gestores políticos que podiam resolver os problemas enfrentados pela população em situação de rua de Aracaju sem muita dificuldade com apenas um pouco de vontade política para resolver o problema.
Propostas
Representando o Governo Federal através do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), Cláudio Barreto falou sobre o projeto de economia solidária, um canal de inclusão importante.
“Já temos parceria estabelecida com IFS e UFS, vamos fazer parceria com a Comunidade Bom Pastor para ofertar um o curso de Alfabetização e Cuidadores de Idosos, será ofertado no prédio da Rua Itabaiana, bem localizado, dá pra atender a esta população. Queremos focar na construção desses empreendimentos para pessoas que estão excluídas do mercado de trabalho, para isso os moradores em situação de rua têm prioridade”, declarou.
Segundo o presidente da CUT Sergipe, Roberto Silva, o Seminário foi importante para amadurecer o debate sobre a temática.
“Este 1º Seminário é um marco importante, como a companheira Ivonete falou: a CUT está nesta luta e nós não vamos abrir mão. Nós precisamos, enquanto instituição, cobrar políticas efetivas... No ano passado, Sergipe arrecadou de ICMS R$ 5 bilhões. Pela Constituição Federal, 2% do ICMS tem que ir para o Fundo Estadual de Combate à Pobreza. Isso representa R$ 100 milhões. Esse dinheiro precisa ser investido e priorizado para a construção destas políticas socais, as políticas públicas necessárias. Por que isso acontece no Brasil inteiro e em Sergipe fica tudo travado?”, indagou Roberto Silva.
O presidente da CUT/SE também destacou que será remarcada a vinda do coordenador-geral de Políticas para os Direitos da População em Situação de Rua do Ministério de Direitos Humanos, Chico Nascimento, em uma nova atividade política para debater e impulsionar a luta por mudanças concretas, com melhorias na vida da população em situação de rua em Sergipe e em Aracaju.