Escrito por: Iracema Corso
Na noite desta sexta-feira, dia 29/11, tem início o 14º CECUT (Congresso Estadual da Central Única dos Trabalhadores) que vai eleger a nova direção da CUT/SE e aprovar a estratégia de luta sindical para os próximos anos (acesse o link e confira a matéria).
No 14º CECUT, o incansável militante sindical, Rubens Marques, mais conhecido em Sergipe como ‘professor Dudu’, deixa a presidência da Central Única dos Trabalhadores (CUT/SE) após uma década de dedicação à luta sindical. Muitos dos amigos sindicalistas o definem como ‘uma escola’. Outros tantos expressam gratidão pelo apoio na luta sindical e destacam a importância do papel que desempenhou em Sergipe desde 2009, vencendo também muitas dificuldades, como o tempo reduzido para a vida pessoal e o afastamento do convívio familiar.
O professor Dudu deixa a presidência da CUT/SE, mas, como diz a música de Edson Gomes “A vida não para aqui// A luta não acabou/ E nem acabará/ Só quando a liberdade raiar”... Nesta entrevista com ele, tem pontadas de retrospectiva, avaliação geral da realidade atual e perspectivas de futuro da luta sindical no Brasil, América Latina e em Sergipe. Confira!
Quais os principais desafios que a CUT enfrentou em Sergipe neste último mandato?
Desde a Ditadura Militar de 1964, principalmente a CUT – por ser a maior central sindical do Brasil – nunca passou por tantas dificuldades e desafios. Pela primeira vez na história do Brasil, um presidente da República tem a Central Única dos Trabalhadores como alvo. Ele verbaliza o nome da CUT como inimiga e tem uma conduta de perseguição aos sindicatos. Bolsonaro foi capaz de extinguir o Ministério do Trabalho, órgão que dialogava diretamente com a classe trabalhadora, para afetar a organização dos trabalhadores. Em outros governos a gente brigava para ampliar direitos, mesmo na Ditadura. Neste último mandato da CUT fizemos luta e resistência contra os ataques aos direitos dos trabalhadores. É o governo que mais atacou e continua atacando os direitos dos trabalhadores. Só o fato de conseguirmos resistir a todos estes ataques e sobreviver já foi uma grande vitória.
Diante destes desafios, como a CUT se posicionou?
A CUT cumpriu um papel fundamental quando buscou unidade com os diferentes. A CUT atingiu um grau de maturidade para passar às outras centrais que era momento de pautar o que unifica e não o que nos separa. Historicamente as centrais não conseguiam avançar no diálogo visando a unidade porque a pauta sempre eram as divergências. E agora, não só os sindicatos como as centrais entenderam que o momento é de unidade. Não dá para ser irresponsável e focar na futrica ou na divergência ideológica quando o movimento sindical sofre duro ataque. Primeiro precisamos nos unir para nos salvar, pois mortos e destruídos não faremos nada. O segundo passo é lutar e resistir para mais à frente, quando criarmos mais musculatura, conseguirmos resgatar o que nos foi retirado.
Você destaca alguma pauta importante de luta neste último mandato?
A greve sempre está no centro do debate. É papel do movimento sindical fazer enfrentamento, dialogar e, na ausência do diálogo, a greve é nossa grande ferramenta de luta. Quando faltou o debate, a CUT esteve na vanguarda para conseguir unificar as diferentes forças. Então, eu destacaria a construção das greves gerais. Havia duas décadas que as centrais sindicais não conseguiam fazer greve geral. Havia um temor de que as greves pudessem fracassar e isso prejudicasse mais ainda a organização dos trabalhadores. Depois de uma derrota, o que vem em seguida é um refluxo.
Greve para nós não é uma passeata, é parar o setor produtivo, o setor privado, o setor público, é mexer no coração do capitalismo, e nem no interior da CUT, na sua direção, não era unânime a ideia de que a gente tinha que parar o setor produtivo. Discutimos o que a CUT queria fazer. Era greve mesmo? Então não foi unânime. Havia temor por conta da repressão, por conta de tanto tempo sem exercitar essa ferramenta importante que era a greve geral. Mas nós conseguimos convencer, as greves aconteceram. Fábricas, ônibus, banco, comércio e o setor público pararam, tivemos trancamento de avenidas em Aracaju e no interior. Foi um movimento vitorioso que abriu portas para grandes manifestações de massa. A partir dessa, vieram outras.
O único reparo que eu faço dessas greves, apesar de vitoriosas, é que a gente não conseguiu conquistar corações e mentes daqueles que não estão minimamente organizados em um sindicato, associação, movimento estudantil, movimentos sociais e culturais.
A gente acaba de ter a noticia ruim de que o Centro Administrativo da Petrobrás vai sair de Aracaju. Como a CUT vê mais essa ação nefasta do governo Bolsonaro que atinge a economia de Sergipe num contexto de ataque ao Nordeste?
Eu ainda não compreendo essa luta como vencida. Até o próximo ano, aqui em Aracaju, vai ter luta e vai ter resistência contra a saída da Petrobras. Quando a pauta de luta é federal, é preciso que haja muita união, atos e manifestações em todos os estados. Para vencer esta luta aqui, vamos depender de muita articulação política e muita mobilização. Eu só acredito que as atividades da Petrobrás serão encerradas em Sergipe quando isso acontecer. Até lá, o meu papel é acreditar na luta e na articulação política da CUT para manter a Petrobras aqui no Nordeste e em Sergipe, algo muito importante para a economia do nosso estado.
No Congresso Nacional da CUT (out/2019), a delegação de Sergipe pautou a luta pela continuidade da Petrobras no Nordeste, pois está claro que Bolsonaro ataca o Nordeste em um dos pilares de seu desenvolvimento ao retirar a Petrobrás da região. A partir de agora como você acredita que vai se desenhar o caminho da luta?
A CUT está dialogando com os governadores do Nordeste, até porque existe um consórcio. Então essa retirada das instalações da Petrobrás aqui em Sergipe, por exemplo, é uma reação ao consórcio. Parte dele é formada por governadores do PT. Então o Brasil vive uma coisa louca, um presidente destrambelhado que não consegue enxergar nada e só prejudica e ataca o próprio Brasil. Eu não entendo como a classe trabalhadora está tendo tanta paciência, isso me incomoda. Não foi por falta de mobilização. Não foi por falta de alerta que esses ataques estão acontecendo. Então a gente olha pra Argentina e sente inveja positiva...
América Latina
Na Argentina, a direita derrotou o peronismo, mas a classe trabalhadora ficou vigilante. O tempo inteiro na rua, o tempo inteiro cobrando. O que é que acontece, quatro anos depois? O peronismo volta no campo progressista derrota o projeto neoliberal de Maurício Macri que estava em curso. A gente perdeu o Chile, lá também Michele Barchelet uma candidata de centro esquerda foi derrotada, então assumiu Sebastian Piñera, um grande empresário. O que acontece com o Chile? Convulsão social, luta sem parar. A classe trabalhadora sente na pele e reage. Estamos vendo na Bolívia um golpe de estado e agora começaram as batalhas campais. Aqui no Brasil me incomoda, já tentei encontrar um sociólogo, um pesquisador que diga o que é que tá acontecendo no Brasil, pois o trator tá passando por cima das pessoas e as pessoas sequer saem da frente. Tem muita luta do movimento sindical, do movimento social, mas a massa mesmo, a população como um todo não tá reagindo e isso me incomoda muito.
A carteira verde e amarela proposta por Bolsonaro significa uma nova reforma trabalhista e nova reforma da previdência, atingindo direitos e gerando consequências nefastas para os trabalhadores e trabalhadoras brasileiras. Esta nova ofensiva pode impulsionar uma nova greve geral?
Antes de entrar neste ponto, eu quero dizer o seguinte: o que pode mudar o Brasil hoje é o fato de Lula estar solto. Não é uma certeza, é uma possibilidade. Ele consegue dialogar melhor com a classe trabalhadora, o movimento sindical, ele pode ser este elo para acender a chama e o povo se revoltar contra a tirania deste governo. Lula pode ser muito positivo neste sentido de tentar organizar as massas, como ex-presidente eu não sei se está no horizonte dele cumprir este papel de agitação e propaganda das massas como pregou a Rosa Luxemburgo. Só o fato de Lula estar solto já é animador. Ele já começou a viajar, a juntar gente, e ele é um fenômeno, onde passa arrasta multidões. Penso que Lula deve cumprir este papel de ser o fermento para que a massa possa ganhar força e partir para cima da direita.
Carteira Verde e Amarela
Sobre a carteira verde e amarela, isso é uma tragédia. Ela impacta na Previdência, por exemplo. Se não tem contribuição, vai esvaziar o fundo previdenciário. É uma semi-escravidão. É uma pena que a classe trabalhadora tenha que virar cinza para ressurgir como uma ‘fênix’. Vou repetir: o exemplo da Venezuela, Argentina, Chile e Bolívia pode ser absorvido pela classe trabalhadora brasileira. É uma pena que a reação não seja à altura do que se merece.
Quando você assumiu a CUT, qual era sua principal preocupação?
Era conseguir fazer com que a CUT continuasse crescendo sem abrir mão de seus princípios. Eu gostaria de destacar: se tem alguma coisa que ninguém pode falar sobre a CUT Sergipe é da autonomia. Na CUT quem manda é os trabalhadores. Já houve tentativa de fazer da CUT correia de transmissão para outros partidos políticos, mas nós não deixamos. Pra você ter uma ideia, desde o tempo em que eu tô aqui na CUT, nenhum governador veio fazer comício, porque na verdade não vem em tempo nenhum e quando chega a eleição não dá pra querer visitar a CUT, apresentar a plataforma, nem governador, nem senador, nem deputado, nem ninguém. No nosso mandato, o espaço continua sendo da classe trabalhadora, mantivemos nossa autonomia. E quando foi para criticar, criticamos. Inclusive criticamos o governo Marcelo Déda que na juventude chegou a ser advogado da CUT. Nem no governo dele, a CUT perdeu a sua independência. Pelo contrário, a CUT fez uma disputa clara e aberta para mostrar que entre o governo e a classe trabalhadora, nós estamos com a classe trabalhadora sempre e vamos terminar o mandato desta forma com autonomia para cobrar. O nosso papel é esse, não é outro. Autonomia não se negocia.
A mídia hegemônica, como um braço importante para a expressão do poder constituído, sempre tem uma relação de conflito com o movimento sindical. Desde o início de sua gestão até o momento, como foi a relação com a mídia?
Olhe, levando-se em consideração o papel que a grande mídia cumpre, eu não tenho muito do que reclamar. Reclamar muito da mídia é mostrar certa ingenuidade. É achar que a mídia existe para democratizar informação e não é assim. Por saber disso, a gente sofre menos. É ruim quando a gente espera outra coisa. O papel da mídia historicamente no Brasil sempre foi este. A grande mídia nacional é golpista, foi e continua sendo. Por isso eu acho que aqui em Sergipe o que tivemos foi uma relação boa, respeitável e de amizade com a maioria dos repórteres. O negócio da mídia é a edição, ali é que acontecem os problemas, mas mesmo na edição, foram poucas ocasiões conflituosas. Até porque o repórter que nos entrevistava já me conhecia, sabia o que eu penso e o que eu digo. Sou incapaz de fazer uma fala mais moderada para conseguir emplacar um espaço na mídia. Sou direto, objetivo, faço a crítica contundente e foram poucas as vezes que a fala foi distorcida ou não foi colocada no ar.
Ao longo deste percurso, você conquistou grandes laços de amizades e também inimigos?
Qual é a CUT que neste momento você está deixando para o próximo presidente que vai assumir vencendo as eleições no Congresso Estadual?
A CUT nos últimos anos fez o dever de casa. É bom lembrar que sempre foi uma central respeitada não só pelo meu mandato, mas desde sua fundação e sempre teve uma pegada muito forte pela esquerda. Eu fui vice de Antônio Góis, urbanitário da Deso. Aprendi muito com ele e de vez em quando ainda tenho ligado para pedir orientação. A minha primeira preocupação como presidente era manter a CUT respeitada, proativa, que protagonizasse as lutas em Sergipe, não por se achar melhor que ninguém, do que outras centrais, mas pela responsabilidade de sermos maiores, abrigando o maior número de sindicatos filiados. E nós conseguimos. A CUT que a gente deixa para a próxima gestão aprendeu a construir a unidade respeitando as diferenças. É uma CUT que sabe ser maioria sem ser arrogante. Este é o maior problema, tanto é que a gente consegue dialogar com centrais com menor número de sindicatos filiados, mas o tratamento é o mesmo. A gente reconhece a importância delas. A CUT sozinha, por exemplo, não teria conseguido sucesso na greve geral. Só teve sucesso porque teve a CTB, UGT, a CSP Com Lutas dividindo tarefas. Cada um na sua trincheira. Então o grande legado que a nossa gestão deixa é de uma CUT respeitada, um canal aberto pra dialogar com o movimento sindical, mas também com o movimento social, como o MST, o movimento de moradia e tantos outros movimentos sociais de Sergipe.